(*) Percival Puggina –
O resumo deste texto é o seguinte: para o PT, ouvir a sociedade civil significa ouvir-se a si mesmo. Afirmo-o e passo a provar.
No dia 18 de junho realizou-se, em algum lugar do Palácio do Planalto, um encontro dirigido pelo ministro chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, com pessoas ligadas às áreas de articulação social de seu gabinete e representantes de algumas entidades vinculadas ao tema da participação social. No foco da reunião estava o Decreto Nº 8243, através do qual a presidente Dilma instituiu o Plano Nacional de Participação Social. A longa reunião, com mais de duas de duração, foi filmada e o vídeo pode ser assistido no YouTube buscando pelo título “Encontro de participação social”.
O ministro Gilberto Carvalho abriu a reunião numa fala de 15 minutos explicando seus objetivos. O que de mais significativo foi dito por ele corresponde à parte final dessa fala. Transcrevo-a literalmente a seguir. É indispensável esse trecho para que se tenha uma correta compreensão dos objetivos falaciosos e das reais intenções dos autores do referido estrupício normativo.
Fala o ministro:
“… Ao mesmo tempo fica evidente que há na sociedade brasileira uma mudança importante. Você tem hoje, e nós podemos chamar – e eu falo isso sem nenhum preconceito – uma posição de direita militante, coisa que nós não conhecíamos há uns anos atrás. Não tinha essa expressão tão forte como ela se dá hoje. Uma vigilância permanente por um conservadorismo muito marcado, que infelizmente tem vindo muito acompanhado de um certo ódio, de uma adjetivação absurda que se faz das posições de esquerda, mas ele está presente e se expressa de maneira muito forte, por razões óbvias, nos meios de comunicação.
“Isso deve ser verificado por nós e deve nos estimular a provocar esse debate, a nos empenharmos nesse debate de maneira mais clara. Ou seja, está em jogo, de fato, um debate pela hegemonia política no país. Está em jogo um debate de projetos que é muito mais além do significado desse decreto. Como se expressou muito bem um jovem hoje de manhã, numa primeira reunião que fizemos sobre esse tema, esse decreto vale mais hoje pelo que ele significa do que propriamente pelo texto dele, e pelo que ele é na prática. Ele passou a ter uma significação simbólica muito além. Eu acho que a gente tem que comprar essa briga.
“Vale a pena para nós que, de um lado significamos um governo que se pretende um governo popular, um governo que se pretende com todas as limitações progressistas. Mas sobre tudo o desafio vale para a sociedade encarar esse debate. Por isso, para nós, a importância dessa conversa com vocês, nosso interesse em ouvi-los e também de combinarmos ações nessa perspectiva, do aprofundamento da democracia e do aprofundamento de um projeto que pretende, de fato, transformar a sociedade desse país numa sociedade justa, numa sociedade solidária com valores de fato da fraternidade e da justiça…”.
Escrutinando essa fala fica impossível não perceber que o decreto, anunciado pelo governo como algo que ampliará a democracia no Brasil, tem um objetivo oculto tornado visível na fala do ministro por ele responsável. Note-se que, antes mesmo de falar das reações que o ato normativo suscitou, Gilberto Carvalho apontou para a existência de uma direita militante, coisa, diz ele “que nós não conhecíamos anos atrás” e de um conservadorismo vigilante, acompanhado de certo ódio. Ora, que autoridade moral tem o PT para atribuir postura odienta a seus opositores quando sua trajetória na política foi construída insuflando e disseminando conflitos, inclusive com assassinato de reputações e emprego frequente de atos violentos?
Mas vai além o sincericídio do ministro. Lá pelas tantas, ele afirma que “está em jogo um debate sobre a hegemonia política no país”. Pronto! Caiu a máscara. Desnudou-se o rei. O que está em debate, afirma Gilberto Carvalho, é a hegemonia política (quem não sabe que é esse e só esse o jogo que interessa ao PT?). Por isso, nos termos do decreto, cabe ao governo escolher metade dos membros de seus sovietes junto a movimentos e demais órgãos da “sociedade civil” e indicar, de modo paritário, a outra metade. Nesse caso, como fica a expressiva parcela da sociedade que não aceita a hegemonia política petista? Dane-se? Vai catar coquinho? E isso é democrático? E isso é ouvir a sociedade civil?
Resumo: democracia direta e participação social, para o PT, é algo que acontece com o partido ouvindo a si mesmo. Exatamente como se viu no Rio Grande do Sul, durante o governo de Olívio Dutra, quando o “orçamento participativo” do Estado era entregue ao Parlamento num comício petista, avermelhado de bandeiras, realizado defronte aos dois poderes, na Praça da Matriz.
(*) Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia e Pombas e Gaviões.