Aiaiai, se eu soubesse antes, aiaiai

(*) Marli Gonçalves –

marli_goncalves_22Pela internet, como de costume, acompanhava o noticiário geral e, meio de esgueira, via pelo tablet o depoimento, a oitiva, como gostam de falar para ficar mais importante, da contadora do doleiro lá no Congresso Nacional. Reparava até o quanto a moça era articulada, segura e bem menos feia do que apareceu na capa da revista que a lançou ao estrelato político. De repente o avião que duas horas antes tinha caído em Santos pousou na fala de um congressista, lá em Brasília. Parece que era o jatinho que servia ao candidato Eduardo Campos…

Foi o suficiente para que os pelos do meu braço se eriçassem de uma forma que conheço bem, quando bate alguma intuição meio esquisita, e essa tinha sido quase óbvia. Os minutos seguintes foram de confusão absoluta na imprensa e na cabeça até a confirmação fatal. Claro que se ele não estivesse ali já teria aparecido para dar um tchauzinho, não?

Foi também o marco de uma situação bem esquisita, que sei que muita gente tem pensado mas poucos a expressam. Que candidato maravilhoso perdemos! Não é que de repente todo mundo ia votar nele? As pesquisas anteriores deviam estar erradas porque – nossa! – como é que eu não soube antes o quanto ele era fantástico, líder, popular, cheio de ideias, seguidores, eleitores, simpático, além de impecável chefe de família, etcs, muitos etceteras?

Santa hipocrisia. Porque não falavam todas essas coisas maravilhosas sobre ele quando estava por aí piscando seus olhos de cristal, pedindo votos, sendo obrigado até a viajar mais do que os demais candidatos. Não dá para contar quantos textos tenho lido, e escritos por jornalistas, que o colocaram imediatamente no sétimo céu, depositário de nossas esperanças, redentor de Pernambuco, com ideias que mudariam o nosso modo de ver a política nacional, essa massa disforme na qual essa política se transformou nos últimos doze anos, três reinados petistas. Se fossem textos de familiares, amigos, correligionários seriam sim, naturais, depois de uma grande perda. Mas não: tentativas de tirar a casquinha, ter a sua lasquinha do muro de Berlim.

Especialistas apareceram de todos os cantos. Hipóteses e suposições pulularam igual aos peixes na piracema. Notas oficiais despencavam por minuto na nossa caixa postal. Tudo quanto é poste, associação de qualquer coisa lamentou, sentiu muito, sendo que a maioria não tinha nem a menor ligação, nem com a política quanto mais com o candidato. A imprensa toda pirou a ponto de ter posto no ar coisas que até agora aparecem inacreditáveis, como a história do socorrista que declarou ter ido lá nos escombros, visto o corpo, aberto os olhos e constatado que eram os “olhos azuis do meu candidato”, como exprimiu aos prantos diante das câmeras.

Para tudo! Li, ouvi e ainda ouço, aiaiai, de um lado, tudo quanto é tipo de explicação, de teoria conspiratória, de acusações, e pior, lamentos com listas de “quem é que deveria estar lá no avião aquele dia e não morreu, fica por aí “. Até em abdução falaram, sim, Eduardo teria sido levado por ETs. E a história do helicóptero contra o qual o avião teria se chocado? Helicóptero esse que, claro, virou pó, se desmaterializou, junto com seu piloto, se é que havia um, porque também correu a história do drone assassino, perdido ali entre as nuvens de chuva.

De outro lado, pipocaram imediatas desconstruções da possível nova adversária, Marina Silva, O horror. A completa falta de noção, mas ao mesmo tempo uma amostra viva, muito viva, do que, e no que se transformou o Brasil, a ignorância, a falta mínima de raciocínio, os bonecos animados pagos para inflamar uns contra os outros, formando uma corrente muito desagradável de informação, contrainformação e invasão nas redes sociais.

Lembrei-me de Chico Buarque, não pela razão que sempre tentaram associá-lo a Eduardo Campos, mas por uma música, “Se eu Soubesse”, do trabalho Bastidores, de 2011. Procure ouvir. Lembrei-me de Maysa cantando sofrida a bela “Castigo”, de Dolores Duran (“Se eu soubesse/Naquele dia o que sei agora/Eu não seria esta mulher que chora/Eu não teria perdido você”). Lembrei até do Michel Teló, “Ai se eu te pego”, mas esse porque tive vontade de esganar uns e outros nesse dia que embora seja para ser esquecido nunca o será.

Escrevo antes dos funerais. Imagino bem o quanto mais se irá falar, escrever, especular sobre o acidente, sobre as vítimas, sobre avião e caixas pretas, e especialmente sobre o candidato – aquele que era tão bom, tão maravilhoso, tão especial que todo mundo ia votar nele, embora as pesquisas o mostrassem patinando; se virando em mil para defender a própria mãe na entrevista, tendo que explicar muito bem por que demorou tanto para pular do barco governista. Fora explicar Marina, acalmar Marina, e carregar Marina para baixo e para cima, o que agora será precioso.

Achei duas frases perfeitas para a ocasião. A primeira, dada como um provérbio português – “O se eu soubesse é santo que nunca valeu para ninguém” – e a segunda, quase premonitória, creditada a Martin Luther King: “Mesmo se eu soubesse que amanhã o mundo se partiria em pedaços, eu ainda plantaria a minha macieira” .

Pelo que vejo, Eduardo chegou a semear, e se Deus quiser, muitas maçãs brotarão e esperamos que seja logo, agora.

São Paulo, 2014, no sempre horrível agosto que traz sempre algum desgosto

(*) Marli Gonçalves é jornalista – – Prometo que, sempre que achar alguém bem legal, conto logo para vocês. Como já disse, não gosto nada dessa história de ter de morrer para viver sempre. E só assim ser tão bom que não devia ter morrido…

Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no http://marligo.wordpress.com. Estou no Facebook. E no Twitter @Marligo

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