(*) Percival Puggina –
O eleitor comum é um sujeito com o coração no lugar do cérebro e o cérebro dividido entre a geladeira e o contracheque. Foi assim que elegeu Lula duas vezes e colocou uma tartaruga no poste em 2010.
No entanto, tem razão Bob Marley: “You may not be her first, her last, or her only. She loved before, she may love again”. Ocorre o mesmo com o amor de eleitor. E o coração do eleitor brasileiro pulsou fortemente quando a queda de um avião sem dono, sem caixa-preta e sem motivo para cair, entregou uma candidatura presidencial à acreana Marina Silva. A esguia senhora, que parece saída de uma foto de Sebastião Salgado, entrou em espiral ascendente. O coração do eleitor faz coisas assim. E depois? Ora, quanto ao depois, especulemos.
A coligação agora formada em torno de Marina Silva envolve os seguintes partidos: PSB, PPS, PRP, PHS, PPL e PSL. Os três últimos não têm um único deputado federal ou senador. São legendas e quase nada mais. Os três primeiros, têm, respectivamente, 24, 6, e 2 deputados, correspondendo a apenas 6% do plenário da Câmara dos Deputados. O PSB tem 4 senadores. Mesmo supondo que a condição privilegiada da candidata socialista no momento do pleito de 5 de outubro conceda um upgrade às suas nominatas de candidatos proporcionais, é muito improvável que tenha peso significativo no Congresso a base parlamentar natural de um eventual governo do PSB. Será mesmo do PSB ou será da Rede? Marina estaria como uma seringueira solitária em área de lavoura. Onde iria buscar os outros 250 deputados e os 50 senadores que lhe faltarão para compor maioria? Como aprovaria ela as medidas que serão necessárias na crise que já se instalou no país e que se agravará no ano que vem?
Marina fala numa tal Nova Política, que incluiria o fim do instituto da reeleição e o emprego de mobilização popular para exercer pressão sobre o Congresso Nacional onde ela, como se depreende do exposto acima, teria sólida minoria. Marina contaria, então, com o apoio do povo. Por quanto tempo, Bob Marley? Até o primeiro arrufo entre namorados?
Se ela tiver fé religiosa no elevado espírito público dos senhores congressistas, um eventual governo seu terá curto prazo de validade, como demonstra a experiência histórica. No entanto, ela já deve ter consciência disso, e a questão se resume em saber quem correria primeiro – se ela para o PMDB ou o PMDB para ela. Certo, porém, é que o PMDB e seus abnegados congressistas estariam no governo. E quem mais? Tudo indica que dona Marina não nutre qualquer simpatia pelo PSDB, o que levaria esse partido para mais um quadriênio de elegante retórica oposicionista. Tampouco parece razoável, no plano das suposições, que o PSB venha a formar governo com o PT no momento em que tiver na mão as ostras e o canivete para sucedê-lo como protagonista principal da cena política nacional. Quem resta, então, para servir de coadjutor a um projeto governista de dona Marina na legislatura de 2015 a 2019? Virtudes cívicas e força política não costumam piar juntas na atual ninhada de siglas partidárias do país.
Continuo convencido de que o movimento das peças no jogo do poder é para profissionais. Quando o eleitorado, como agora, começa a desenhar estratégias, votos mudam incontrolavelmente de lado. O PT acelerou o caminho para a recessão tentando fugir da recessão. E a crise em que lançou o país acelera esses movimentos espontâneos da opinião pública em busca de novos amores, “eternos enquanto duram”.
(*) Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de “Crônicas contra o totalitarismo”; “Cuba, a Tragédia da Utopia” e “Pombas e Gaviões”. Integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.