(*) José Nêumanne Pinto –
Aécio revive conciliação do avô Tancredo; Dilma repete intransigência feroz do ex-chefe Lula
Meu amigo Luiz Guimarães, engenheiro, financista, aposentado, sonha ter acesso a qualquer hora aos candidatos Dilma Rousseff e Aécio Neves, que disputam o segundo turno no domingo, para lhes sugerir um ritual: estender uma Bandeira Nacional defronte à cama para refletir todo dia, ao acordar, sobre seu dístico, Ordem e Progresso. Petistas, que se dizem socialistas, e tucanos, que se creem social-democratas, poderão pensar que é uma sugestão conservadora, de direita, neoliberal. Na verdade, é um lema positivista, adotado por influência dos seguidores de Auguste Comte entre os fundadores de nossa República. Para Luiz, a reflexão deve começar pela ordenação das palavras: “Sem ordem não há progresso”. É, faz sentido!
A sugestão vale para todos os eleitores que irão às urnas em quatro dias. Ainda que se altere a sequência dos vocábulos, convém que o brasileiro se lembre do hino, da bandeira, do sentido de pátria e de comunidade antes que ódio e preconceito contaminem as relações entre amigos e parentes, separando pais e filhos, irmãos e primos, sócios e parceiros. Na segunda-feira, entre as lágrimas dos derrotados e os fogos dos vitoriosos, seria muito bem-vinda uma convocação à reconciliação de todos. Como escreveu Ana Maria Machado no Globo de domingo, “discordando, mas trocando ideias para vencer os problemas do país. Que não são poucos. Não precisamos acrescentar a eles a intolerância, o ressentimento, a baixaria que busca se vingar”.
Papisa da literatura infantojuvenil no Brasil, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, ela sabe o que escreve. E poderá praticar a ideia em família: seu irmão, Franklin Martins, é o guerrilheiro que imaginou, planejou e comandou na rua o sequestro do embaixador americano no Brasil Charles Elbrick, na ditadura militar. Hoje ele é um dos assessores que ajustam a mira da metralhadora giratória da presidente e candidata à reeleição, Dilma Rousseff, do PT, primeiro contra Marina Silva, do PSB, e agora contra o tucano Aécio Neves.
Com a enxurrada de porcaria despejada no horário que nada tem de gratuito no rádio e na TV e no debate do SBT, Jovem Pan e UOL, seis dias atrás, ficou uma impressão de que aqui se pratica uma política de terra arrasada, na qual nada sobrará para os derrotados e tampouco para os vencedores. A estes talvez nem restem as batatas, troféus da guerra das tribos na fábula escrita por outro Machado, o de Assis. Vencedores e vencidos mostram-se dispostos a negar tudo uns aos outros, nada lhes restando, mesmo que o dilúvio universal desabe sobre as nascentes dos rios que formam as represas do sistema Cantareira, quase totalmente exaurido no momento em que este texto é lido sob sol forte e aridez.
Este jornal publicou domingo evidências de que há uma forte tendência política em crescimento no Brasil: o antipetismo. Caudatária dessa há outra, subterrânea e sub-reptícia: é a dos anti-Lula. Ela começou, sorrateira, nas manifestações de rua de junho de 2013, em que multidões reclamaram da péssima gestão pública em serviços públicos essenciais à sobrevivência e à dignidade do cidadão. Essa não é obra exclusiva do PT nem dos herdeiros de Lula, mas há indicações seguras no noticiário recente de que se agravou muito sob a égide de uma aristocracia socialista que se considera acima do bem e do mal e acha que pode tudo. Até mesmo reduzir pela metade o patrimônio da maior empresa estatal do País, a Petrobrás, sem que ninguém perceba, proteste ou cobre.
Sem organização política nem propostas concretas, as massas rebeladas refluíram ao impacto de pedradas e coquetéis molotov de anarquistas que deturparam as manifestações quebrando tudo, violando a lei e desafiando o Estado Democrático de Direito. O movimento desfigurou-se, mas abriu uma porta de saída para antigos enfants gatés do lulopetismo. Primeiro, Marina Silva. Depois, Eduardo Campos.
A queda do avião particular em que este viajava foi uma espécie de senha para permitir a ressurreição e, depois, a organização das forças políticas contra o lulopetismo na sociedade. A volta da disputa direta entre PSDB e PT, que pareciam, de início, fadados ao convívio forçado na luta contra a direita egressa do regime autoritário, permitiu definir em definitivo os contendores. De um lado, os trabalhadores de todas as rendas, que sustentam um Estado estroina, voraz, corrupto e ineficaz, resolveram votar a contragosto em Aécio, que passou a simbolizar a insatisfação generalizada contra “tudo o que está aí”. A ele se juntaram lideranças que antes sempre se reuniram sob as asas do profeta, e agora magnata, do agreste, Lula da Silva: Campos, Marina, Eduardo Jorge, etc. Do outro, a ex-guerrilheira Dilma congrega os assistidos pelo Bolsa Família e os socialistas de conveniência, que trocaram as cobranças de moralidade pelo usufruto de propinas justificadas pela secular retórica antiburguesa, que não só permite e perdoa, mas até abençoa o furto como justa expropriação. Se as pesquisas desta vez estiverem certas, o Brasil está dividido ao meio entre duas bandas ferozes e inconciliáveis.
A passeata de Aécio domingo em Copacabana, com bandeiras do Brasil substituindo cartazes partidários, lançou-o como herdeiro da reconciliação feita sob Dutra após o Estado Novo e por seu avô, Tancredo Neves, no fim do regime pós-1964. O PT de Lula investe em Dilma como a reação feroz à composição. Não é novidade: três deputados foram expulsos do partido porque votaram em Tancredo no Colégio Eleitoral. E Luiza Erundina, que costurou a aliança do PSB com Eduardo Campos, foi expelida dele porque aceitou dirigir a Secretaria de Administração Pública no governo de coalizão de Itamar Franco, do qual Fernando Henrique foi alçado à glória de dois mandatos ganhos em primeiro turno graças ao real. Esse grupo se candidata a substituir o Ordem e Progresso por Ódio e Preconceito na bandeira do Brasil. É isso aí.
(*) José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor.