(*) Carlos Brickmann –
Num belo trecho da Bíblia, o Livro de Isaías, o profeta prevê que um dia todos se arrependerão do mal que fizeram e viverão em paz. O leão, diz Isaías, comerá feno como o boi. O Livro de Isaías foi escrito há pouco menos de três mil anos. O mundo não se arrependeu, leões e lobos comem cordeiros e bois. Mas há ocasiões em que grandes tragédias obrigam os inimigos a pelo menos tolerar-se.
Pois estamos no Brasil às vésperas do segundo mandato de Dilma. A presidente já está enfraquecida; e não há como, fragilizada, cuidar direito do país nos próximos quatro anos. A oposição pode tentar afastá-la, legalmente ou não; mas, mesmo que tenha êxito, terá de enfrentar a metade do país que votou em Dilma, e trabalhar apenas para manter-se no poder. A guerra entre oposição e Governo, portanto, não é a solução. Há que encontrar um caminho que, preservada a legalidade, preservado o Governo eleito, preservados os direitos da oposição, possa evitar um impasse. Nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Alemanha, há oposição, oposição dura; mas nem Governo nem oposicionistas pensam em golpe.
Chegou a hora de ver quem, em cada lado, tem cabeça de estadista. Quem, de um lado, desista da divisão entre Nós e Eles, Bons e Maus; quem, de outro lado, deixe claro que, embora oposição, reconhece o direito de o Governo governar.
A sucessão de escândalos, a paralisação do país, a desmoralização de um símbolo como a Petrobras não pode continuar. Pois, como as coisas vão, terminaremos cumprindo ao contrário a previsão do profeta.
E todos pastaremos juntos.
As pessoas, as empresas
A propósito, um acordo pela governabilidade é político. Crime não tem nada a ver com isso. Crime deve ser punido de acordo com a lei (e sem esquecer que a lei prevê o direito de defesa). O Petrolão tem ainda um aspecto pior que a roubalheira denunciada: a Petrobras sempre teve funcionários de alto nível, dedicadíssimos à empresa, e este pessoal respeitado no mundo inteiro acabou subordinado a representantes de partidos.
Que se aplique a lei, portanto. Mas empresas não cometem crimes: o criminoso é sempre uma pessoa física. Para atingir os criminosos não é preciso destruir empresas, sejam estatais ou privadas. E não se pense que a destruição de empresas brasileiras, substituídas por multinacionais, vá resolver o problema da corrupção – tanto que as investigações da ladroeira chegaram à Holanda, Suíça, Alemanha, França. Lá também, se deixarem, rouba-se.
O dia a dia
Mas, até que se pense no país, voltemos à realidade. De acordo com a Estrutura Organizacional do Banco do Brasil, que está em seu site, diretores e conselheiros devem ser brasileiros, dotados de “(…) idoneidade moral, reputação ilibada (…)” Dilma ofereceu a Anthony Garotinho uma vice-presidência do Banco do Brasil.
Se Dilma sustenta que Garotinho é idôneo e ilibado, deve ser verdade.
As contas, ora as contas
Não se preocupe com a rejeição das contas da campanha de Alckmin, nem com as ressalvas à aprovação das contas de Dilma. Nos dois casos, é verdade, a lei foi descumprida; mas, nos dois casos, houve irregularidades apenas formais, já que nas contas finais tudo está certo. Faltou apenas fazer alguns registros em prestações antecipadas de contas. No futuro, isso dará confusão. Agora, não – tanto que, em casos iguais, as contas de Dilma foram aprovadas com ressalvas e as de Alckmin rejeitadas. Mas tudo deve ser resolvido em instâncias superiores.
É estratégia, mas…
O deputado Jair Bolsonaro, do PP fluminense, certamente tem uma enorme quantidade de defeitos. Mas burro não é. Aquele saco de besteiras que disse à ministra Maria do Rosário, do PT gaúcho, a respeito de estupro, e que eventualmente pode até custar-lhe o mandato, não foi uma frase infeliz, nem algo que lhe tenha escapado: ele mediu cuidadosamente o que diria, para obter a máxima repercussão possível.
A carreira de Bolsonaro, neste momento, mostra sinais de estagnação: reelege-se deputado federal, mas quer mais, e para cima seu caminho está bloqueado. Ao atacar a ministra, procura colocar-se como líder oposicionista. Não da oposição que segue Aécio ou Marina (e que, na Inglaterra, seria chamada de Leal Oposição de Sua Majestade, exatamente por fazer parte da normalidade institucional); mas da oposição que prega a derrubada da presidente.
Já que não há generais que assumam o papel, ele se dispõe a liderar os radicais.
…até quando?
Para a Câmara, é uma definição de seu papel político. Punir Bolsonaro pode custar votos aos parlamentares mais próximos dos grupos radicais. Mas deixar pra lá é colaborar com a estratégia do deputado: sempre que quiser holofotes, soltará uma frase inaceitável e manterá seu nome em evidência. O caminho talvez seja afastá-lo sem permitir que vire vítima. E o problema é como fazer isso.
É assim mesmo
O ministro da Fazenda, demitido há tempos, só espera o momento de entregar o cargo. Até lá, não faz nada. O novo ministro da Fazenda, escolhido há bom tempo, prepara planos, mas como não assumiu não pode aplicá-los.
Com hidrelétricas vazias e crise na Petrobras, o ministro das Minas e Energia sumiu. Brasil.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.