(*) Percival Puggina –
Obviamente, entre 1,5 bilhão de muçulmanos, é pequena a parcela de fanáticos violentos, jihadistas, dispostos a passar o resto do mundo na espada. No entanto, o mundo está apreensivo. A numerosa concentração de chefes de Estado e de governo nas manifestações de Paris mostra que estamos diante de algo alarmante. Por isso, quero lembrar que, antes de ser um problema mundial, o terrorismo e o fanatismo islâmico violentos são, sobretudo, um tema para o Islamismo, tanto quanto o nazismo foi tema para os alemães, antes de se tornar problema internacional. Religião alguma deve se prestar a uma cultura de intolerância e violência! Não é de causar surpresa, portanto, diante dos fatos que estão em pleno desenvolvimento e motivando insistentes matérias jornalísticas, que já se possa identificar a existência de um temor ao Islã. Não é inteligente nem sensato negar o óbvio. O mundo sabe. O terrorismo é o mal do século. E o medo cria reações irrefletidas ou insanas. Quem pranteia ou desfila pelos milhares de vítimas silenciosas do Boko Haram?
Reflitamos, agora, sobre a criminosa e repugnante execução dos jornalistas, artistas e humoristas da Charlie Hebdo. Seres humanos foram friamente fuzilados para “vingar a honra do Profeta”. Diante do ocorrido, uniram-se, com razão, as vozes do mundo num coro multilíngue, ecumênico e pluriétnico em favor da vida e da liberdade de imprensa, destacados valores da civilização ocidental. Não esqueçamos, porém, que o humorismo da revista, com frequência, é grosseiro, desrespeitoso e de mau gosto. Comete injúria religiosa, como quando representou graficamente o Pai, o Filho e o Espírito Santo em atos de sodomia. Há diferença entre a blasfêmia privada, para ofender a Deus, e a blasfêmia publicada para ofender a sensibilidade religiosa das pessoas. O ataque à revista tornou oportuno exaltarmos a liberdade de criação e de imprensa como apreciadíssimo valor da nossa cultura. Mas é bom lembrarmos – sem relação nem proporção entre causa e efeito – que o respeito aos demais, a seus valores, crenças e etnias é, também, um valor da civilização ocidental.
(*) Percival Puggina é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de “Crônicas contra o totalitarismo”; “Cuba, a Tragédia da Utopia” e “Pombas e Gaviões”. Integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.