(*) Rizzatto Nunes –
A respeito da superproteção na educação das crianças, conta-se a seguinte piada: uma família muito rica costumava se reunir para lautos jantares. Sempre se sentavam à mesa o avô, patriarca da família e a avó, a matriarca, seus dois filhos com as respectivas esposas e, numa mesa ao lado, os netos, todos muito mimados e excessivamente protegidos.
Um desses netos era mudo.
Certo dia, o avô comprou uma grande mesa retangular, ao redor da qual caberia toda a família, incluindo as crianças. Marcado o jantar, todos se acomodaram.
De repente, o menino mudo levantou a mão e disse: “Pai, passa o pão”
Silêncio e espanto geral!
O pai exclamou: “Filho! Você fala!”
“Sim”, respondeu o menino com simplicidade.
“E por que até hoje você nunca falou?”
“Porque eu nunca precisei”
Esse é o tema para nossa reflexão: excesso de proteção faz mal?
Na educação infantil, parece haver consenso que sim. E em relação aos cidadãos, é bom o excesso de proteção?
Ninguém duvida de que a proteção é salutar. A lei deve mesmo proteger os consumidores hipossuficientes, os menores de idade, as pessoas portadoras de deficiências, os idosos, as gestantes etc. Mas, até que ponto deve ir essa proteção?
Veja, caro leitor, essa história narrada por meu amigo Outrem Ego: ”Meu irmão, como você sabe, é Juiz de Direito e professor universitário. Ele é Doutor em Direito há muitos anos. Ele é Juiz na Capital e dava aulas numa Faculdade de Direito na grande São Paulo. Há dois anos, a escola, para reduzir custos, apresentou projeto para quem quisesse ser mandado embora. Como ele estava cansado das viagens, aceitou o pacote e saiu com alguns colegas”
“A escola fez os depósitos dos valores devidos em sua conta corrente e, marcada a homologação, ele deu uma pausa nos seus afazeres para comparecer ao Sindicato respectivo para assinatura do termo”
“Lá chegando, o funcionário do Sindicato encontrou uma pequena diferença de valor a favor de meu irmão e disse que, por isso, a homologação não poderia ser feita”
“Meu irmão disse que não se importava e que estava satisfeito com os valores recebidos. Mas, o funcionário foi irredutível: a homologação não seria feita”
“Meu irmão argumentou que sabia o que estava fazendo, afinal ele era Doutor em Direito, Professor de Direito, Juiz de Direito!”
“‘É direito meu, minha prerrogativa e da qual eu abro mão!’, bradou ele, mas não adiantou”
“Ele insistiu: disse que não poderia voltar n´outro dia, pois tinha mais o que fazer, o que no caso era julgar processos…”
“Não deu certo. Depois de mais discussões, ele acabou concordando em escrever a mão no verso do termo uma ressalva confirmando que sabia que estava recebendo menos e que iria ‘cobrar seus direitos’. Claro que ele nada fez, pois era prerrogativa da qual ele queria abrir mão!”
Lendo essa história contada por meu amigo, pergunto: é isso, então? O Estado e/ou seus delegados e representantes e até os órgãos de classe e os sindicatos das diversas categorias sabem mais a respeito dos direitos instituídos que as próprias pessoas a quem supostamente pretendem proteger?
Outrem Ego, depois de muito refletir ponderou algo nesses termos: “Em matéria de direito patrimonial, o montante a receber não pertence ao titular? Se sim, por que é que ele não poderia abrir mão? Se ele pode sacar o dinheiro a que tem direito na boca do caixa de um banco e, em seguida, entregá-lo para o primeiro que encontrar pelo caminho, por que não pode simplesmente dizer que não quer recebê-lo isentando o devedor do pagamento? Aliás, ele poderia sacar o dinheiro e, ato contínuo, depositar de volta na conta da empresa pagadora. Não se trata de uma proteção exagerada?”.
Sou obrigado a concordar com meu amigo. Proteção demais não parece fazer bem mesmo. Mas, quero, querido leitor, deixar algo claro para evitar confusão: não estou dizendo que não deva haver proteção. O problema está no excesso. Será que, do mesmo modo que as crianças superprotegidas têm dificuldade para amadurecer, não se está fazendo o mesmo com as pessoas em geral? Será que, com esse excesso de proteção, o cidadão, digamos assim, emudece? (para ficar com o exemplo da piada). Será que ele deixa de reivindicar, por ficar esperando que o defendam? Ou, pior, será que assim “protegido”, ele nunca perceberá que poderia exercer seus direitos de outro modo?
Deixo, pois, essas indagações para nossa reflexão.
(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.