(*) Ipojuca Pontes –
A mídia amestrada noticia com insistência o deslanche do processo de beatificação e canonização de D. Helder Câmara, antigo arcebispo de Olinda e Recife falecido em 1990. D. Helder, reconhecido urbi et orbi como o “Arcebispo Vermelho”, foi secretário-geral e um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB, uma espécie de ONG manipulada pelo comunismo internacional no seio da Igreja Católica para irradiar as propostas da decadente Teologia da Libertação, suprema pulha de apostatas declarados para subverter os valores espirituais do cristianismo.
(Segundo documentos dos arquivos ultra-secretos do Kremlin tornados públicos pelo dissidente russo Pavel Stroilov, a Teologia da Libertação é uma trama macabra dos mentores da KGB, na Era Stalin, para infiltrar na Igreja Católica o vírus do velho materialismo histórico, este, por sua vez, uma mistificação do furunculoso Karl Marx. De todo modo, a Congregação para a Doutrina da Fé, instrumento da Santa Sé, representante central da Igreja, condenou a herética Teologia da Libertação e seus militantes pela pretensão descabida de eliminar a transcendência religiosa a partir do fomento à luta de classes).
O atual arcebispo de Olinda e Recife, D. Fernando Saburito, outro militante da famigerada CNBB, empenhado até os ossos no processo de canonização, está nomeando uma comissão para ouvir pessoas que conviveram com o “Arcebispo Vermelho” e que possam falar de sua vida e trajetória. “Tudo será bem-vindo” – diz Saburito – “para que possamos juntar esse material e encaminhar para Roma daqui a um ano”. (Com o festivo Francisco como Papa, é bem possível que D. Helder vire santo, o santo do pau oco)
De minha parte, digo que convivi um pouco com D. Helder no final dos anos 1960. Em Recife, ele mostrou-se interessado em ver um dos meus documentários, “Os Homens do Caranguejo”, que abordava o tema da luta pela sobrevivência no Nordeste. Logo no primeiro contato, tomei um choque. Quando D. Helder chegou atrasado para ver o filme, mandou um assessor reiniciar a sessão. Em seguida, já sob holofotes, assumindo poses com requinte de popstar, entrou na sala de projeção saudando a todos com acenos e riso escancarado – no que foi triunfalmente aplaudido por uma platéia constituída de estudantes.
Depois da projeção, o arcebispo me levou para almoçar nos fundos da Igreja das Fronteiras, no Derby, transformada em sua residência particular. D. Helder era o que se pode chamar de “uma figura”. De início, associei-o ao “stariets” Zósima, o santo vivo de “Os Irmãos Karamazov”, de Dostoiéviski. Com o tempo, vi que estava equivocado: D. Helder não apenas cultivava a glória, mas queria o poder. De fato, um olhar atento veria que nele tudo era preconcebido. A batina branca surrada, o halo da falsa humildade, o sorriso forçado, o olhar súplice e, sobretudo, a voz adocicada.
Ah, a voz de D. Helder! Seu tom floreado e macio encantava. Mas a cabo de minutos, além de aborrecer, pressentia-se que a usava como artifício para camuflar um orgulho doentio. A propósito, a tese infame de D. Helder era de que o sujeito nunca devia ser “orgulhoso de dentro para fora, mas de fora para dentro”. E acrescentava: “Para fora seja humilde, modesto. O orgulho interior Deus perdoa”.
Depois daquele almoço o padre pegou um livro de sua autoria, “A Revolução Dentro da Paz”, e fez a dedicatória em forma de catequese: “Para o cineasta Ipojuca Pontes compreender o papel da busca da justiça pela paz”. E de passagem, sem perder o tom melífluo, apanhou uma edição do jornal “Le Monde”. Encenando surpresa, comentou como se lesse aquilo pela primeira vez: – “Aqui diz que D. Helder Câmara foi indicado mais uma vez para receber o Prêmio Nobel da Paz”. O homem não conseguia esconder a vaidade mórbida e anticristã.
Em vida, o dramaturgo Nelson Rodrigues garantia que D. Helder só olhava para o céu para ver se levava ou não guarda-chuva. Para ele, o padre não tinha nenhum compromisso com o transcendental. Não passava de grotesco materialista que vivia para inocular na alma da pobre gente nordestina a crença fanática de que o regime da escassez planetária era um pecado estrutural do capitalismo. E cegando criminosamente para a fome que até hoje se abate sobre o povo cubano, eterna vítima da ditadura comunista dos Castro.
Vade retro, Satanás!
(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.