Sob o tapete – O Ministério das Relações Exteriores iniciou uma ação para evitar que documentos que envolvam o ex-presidente Luiz Inácio da Silva com a Odebrecht, empreiteira investigada na Operação Lava-Jato, venham a público.
A ordem partiu do ministro João Pedro Corrêa Costa, diretor do Departamento de Comunicações e Documentação (DCD) do Itamaraty, após o órgão receber um pedido de informações de um jornalista baseado na Lei de Acesso à Informação.
Na terça-feira (9), Costa enviou um memorando interno sugerindo a colegas que tornassem sigilosos documentos ministeriais “reservados” que citam a Odebrecht entre 2003 e 2010. Esses documentos já deveriam estar disponíveis para consulta pública, visto que a lei exige que papéis “reservados” percam o sigilo após cinco anos.
No ofício, o diplomata ainda sugere a reclassificação dos documentos como “secretos”, aumentando, assim, para 15 anos, o prazo para divulgação.
O memorando do ministro enviado à Subsecretaria-Geral da América do Sul, Central e do Caribe (Sgas) foi motivado por um pedido feito pela Lei de Acesso à Informação por uma jornalista da revista “Época”, que solicitou todos os telegramas e despachos reservados do ministério que citam a Odebrecht.
É importante destacar que no pedido não há referência ao ex-presidente Lula. A citação a Lula aparece apenas na justificativa dada pelo chefe do DCD para pedir a reanálise dos documentos antes de decidir o que pode ou não ser entregue ao jornalista. O texto admite que os papéis já deveriam ser públicos.
“Nos termos da Lei de Acesso, estes documentos já seriam de livre acesso público. Não obstante, dado ao fato de o referido jornalista já ter produzido matérias sobre a empresa Odebrecht e um suposto envolvimento do ex-presidente Lula em seus negócios internacionais, muito agradeceria a Vossa Excelência reavaliar a anexa coleção de documentos e determinar se há, ou não, necessidade de sua reclassificação para o grau de secreto”.
Em abril passado, a revista “Época” publicou reportagem sobre abertura de investigação do Ministério Público Federal (MPF) relativa à suspeita de tráfico de influência praticada por Lula para beneficiar negócios da Odebrecht no exterior. A investigação do MPF foi aberta a partir de reportagem do jornal O GLOBO, que revelou, em abril, viagens de Lula pagas pela empreiteira.
O departamento responsável pela busca de material requisitado via Lei de Acesso já tinha preparado o material para entregar ao repórter, entretanto recebeu o pedido para reavaliar tudo. Desta forma, os arquivos foram distribuídos para cada setor do Itamaraty responsável pelos temas abordados para que eles analisassem o que era considerado comprometedor e, portanto, poderia ganhar o status de “secreto”.
O memorando foi enviado no dia 9 de junho, e o prazo dado por Costa para que os diplomatas fizessem a análise vencia nesta sexta-feira (12).
Tráfico de Influência
O Ministério Público Federal (MPF) abriu, no fim de abril, um procedimento na primeira instância da Justiça Federal para apurar se Lula praticou tráfico de influência em favor da Odebrecht na obtenção de contratos no exterior com financiamento do BNDES. O MPF apura se, entre 2011 e 2013, o ex-presidente obteve vantagem financeira para influenciar agentes públicos em atos relacionados a transações comerciais internacionais da empreiteira.
O que motivou a ação do Ministério Público foi a reportagem que revelou que Alexandrino Alencar, diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, acompanhou o petista em viagem a Cuba, República Dominicana e Estados Unidos. Os custos foram pagos pela empreiteira, e a viagem foi caracterizada como sigilosa em documentos da empresa de táxi aéreo que alugou o jatinho usado nas viagens. Vale lembrar que Alencar é acusado por delatores na Operação Lava-Jato de ser operador de pagamento de propinas da Odebrecht.
De acordo com informações, a ordem para a reclassificação de documentos no Itamaraty estaria ocorrendo sistematicamente. Em maio de 2012, às vésperas do início da vigência da Lei de Acesso, o ministério montou uma força-tarefa para reclassificar uma série de documentos.
Em 2014, depois da polêmica envolvendo os gastos da presidente Dilma Rousseff em uma escala que fez a Lisboa, o DCD enviou a todos os postos do Brasil no exterior uma circular telegráfica com a ordem de que, a partir daquele momento, todas as despesas de Dilma em viagens internacionais deveriam ser sigilosas. Na parada que fez na capital portuguesa, entre a visita a Davos e seu comparecimento à cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em Havana, a presidente se hospedou na suíte presidencial do luxuoso hotel Ritz, cuja diária custava, à época, R$ 26,2 mil. (Danielle Cabral Távora)