Digam o que quiser, mas não há quem resista às artimanhas dos investigadores, quando esses estão decididos a desvendar um crime. Presa na Operação Acarajé- 23ª fase da Operação Lava-Jato – junto com o marido (João Santana), Mônica Regina Cunha Moura começou a dar pistas do esquema de corrupção do qual faz parte a construtora Norberto Odebrecht, cujo presidente licenciado, Marcelo Odebrecht, também encontra-se atrás das grades, em Curitiba.
No depoimento que prestou à força-tarefa da Lava-Jato, na quarta-feira (24), Mônica Moura, que também é sócia do marido, afirmou à PF que a Odebrecht pagou, por meio de caixa dois, em 2011, as despesas da campanha à reeleição do então presidente da Venezuela, o finado ditador Hugo Chávez.
De acordo com a depoente, o custo de propaganda da campanha de Chávez, naquele ano, foi de US$ 35 milhões, sendo “grande parte do valor foi recebido de maneira não contabilizada”.
Mônica Moura disse que, “em razão das dificuldades de pagamento”, procurou à época Fernando Miggliaccio, já que o então executivo da Odebrecht “colaboraria no custeio de parte da campanha”. Até 2014, durante três anos, Mônica e Migliaccio mantiveram “diversos contatos”, além de encontros na sede da empreiteira, disse à PF a mulher do marqueteiro.
Moura também afirmou que os valores pagos pela Odebrecht no exterior giraram entre “3 a 4 milhões de reais”, mas a investigação aponta que a empreiteira repassou ao menos US$ 3 milhões, através offshore Klienfeld.
Desdenhando das provas levantadas durante as investigações, Mônica Moura foi além em seu comportamento teatral e avançou na seara da vitimização. Disse, ao falar sobre os valores recebidos no exterior, que “em todas as suas campanhas, se não fosse por imposição dos contratantes, preferia que fosse tudo contabilizado”. Ou seja, um casal honesto que foi vítima do banditismo político protagonizado por candidatos delinquentes.
Mônica Moura pode até encenar diante das autoridades, mas é preciso ressaltar que foi a partir de documento manuscrito por ela própria que a PF deu início às investigações que culminaram na Operação Acarajé. No documento, esposa-sócia disseca a um operador de propina a forma como deveria receber pagamentos em conta secreta no exterior.
Para o os procuradores, o tal bilhete e a conexão incontestável com Zwi Skornicki mostram que “ela [Mônica] não pretendia deixar rastros da comunicação e, futuramente, da operação”.
“O contexto da investigação conduz à conclusão de que Mônica Regina Cunha Moura, João Cerqueira de Santana Filho, Zwi e Bruno Skornicki pretendiam transferir recursos entre eles de forma oculta e no exterior, fora do alcance das autoridades brasileiras, notadamente pelo caráter ilícito da transação”, reforça a força-tarefa.
No depoimento, Mônica explicou que o ápice da movimentação da conta secreta Shellbill se deu a partir de 2011, E que para receber recursos firmou um contrato fictício com a empresa Klienfeld, offshore ligada à construtora Norberto Odebrecht.
Sobre a atuação de Zwi Skornicki no esquema criminoso, a marqueteira alegou que os pagamentos feitos pelo operador de propinas serviram para quitar débitos da campanha presidencial de José Eduardo Santos à presidência de Angola, em 2012. De acordo com Mônica, do total de US$ 50 milhões cobrados pelos serviços prestados à pré-campanha, campanha, além de consultoria de discursos, do ditador angolano – ele está no poder desde o final dos anos de 1970 – US$ 20 milhões tiveram como base um contrato não registrado, conhecido no mundo dos negócios escusos como “de gaveta”.
As declarações de Mônica Moura à PF não convencem, além de representarem um fator complicador de múltiplas direções. A primeira delas é que a situação da Odebrecht tornou-se ainda mais frágil com a revelação de que a empresa pagou parte da campanha de Chávez através de caixa 2. O que reforça as suspeitas da PF de que parte do dinheiro pode ter sido distribuída a políticos no Brasil.
A segunda complicação, que tem DNA semelhante ao da anterior, é que o valor cobrado do presidente angolano mostra não apenas que o mesmo pode ter ocorrido em termos de redistribuição de recursos, mas coloca os candidatos petistas em situação de dificuldade. Isso porque os honorários de uma campanha em Angola, onde o candidato está no poder há mais de quarenta anos, não podem ser maiores do que os cobrados de candidatos ao governo brasileiro. Ou seja, a contabilidade das campanhas petistas entrou na vala da suspeição.