(*) Ucho Haddad
Em meados de 2005, quando o escândalo do Mensalão do PT começava a abalar as estruturas da República, afirmei que já estava em funcionamento um novo esquema de corrupção que tinha como palco a Petrobras. O objetivo da criminosa operação, que mais tarde recebeu o nome de Petrolão, era não apenas substituir o esquema anterior, mas continuar garantindo a Lula a compra de apoio no Congresso Nacional, sem o qual muitas das suas bizarrices não teriam saído do papel.
Meses antes, logo após a fatídica e decisiva entrevista de Roberto Jefferson, forneci à CPMI dos Correios provas e um detalhamento minucioso sobre o caminho do dinheiro da corrupção. Fiz isso longe dos holofotes, porque afinal meu foco é e sempre será o verde-louro desta flâmula. O lote de informações era tão impressionante, que anos mais tarde o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, Delcídio Amaral, reconheceu a importância da minha colaboração, com direito a elogiosas palavras. O que não me fez melhor ou pior, apenas reforçou a minha dedicação e o meu destemor como jornalista. A CPMI dos Correios só não produziu um relatório devastador porque o Palácio do Planalto operou fortemente nos bastidores, enquanto a oposição, inoperante e soberba como sempre, flanava na tese pífia da governabilidade.
Enquanto o Mensalão do PT expunha as escaramuças de um partido tipicamente bandoleiro, certo jornalista, incomodado com a minha atuação e com o fato de ter em mãos informações e provas, ousou publicar matéria afirmando que eu sofria de esquizofrenia. Escreveu o “troca-letras” de aluguel que infinda era a minha necessidade de criar inimigos para ter com quem duelar a cada dia. Durante anos a canalha sindical, sempre a serviço do governo, insistiu em me desqualificar, apenas porque revelava ao País o modus operandi de um partido de delinquentes. E o tal jornalista, com diploma e empregado em um desses jornalões (muitas vezes de aluguel), resolveu pegar carona nessa sandice típica de mafiosos.
Prova maior dessa detração encomendada e descabida foi a maneira sorrateira como o partido do governo tentou se aproximar. Nas primeiras semanas de 2004 surgiu, do nada, uma proposta indecorosa: polpuda mesada para interromper as notícias contra partido e o governo. Isso porque havia revelado ao País detalhes dos bastidores do covarde e brutal assassinato de Celso Daniel, então prefeito de Santo André. Diante da negativa, perguntaram qual era o preço. Por questões obvias respondi que a questão não era preço, mas o Brasil e os brasileiros. Sofri consequências, é claro, até porque a quadrilha não age de forma pontual. Em outras palavras, insiste nas reticências. De todos os que sabiam acerca do caso, o único vivo sou eu. E continuo sabendo muito sobre o crime que permanece na vala do indecifrável por preguiça das autoridades.
Meses se passaram e os malfeitores voltaram à carga. Queriam um dossiê contra certo adversário. Disse aos incautos, de chofre, que, mesmo acusado de desconhecer a ética por não ter diploma universitário, ater-me-ia ao desempenho do ofício que escolhi: fazer jornalismo, não dossiês apócrifos. A investida não parou por aí. Ofereceram meio milhão de dólares para elaborar um dossiê contra José Serra, antes de o tucano arrebatar a prefeitura de São Paulo, em 2004. Deram-se mal e partiram para a ofensiva, não poupando inclusive os meus filhos.
Ao perceber que a ação dos delinquentes não cessaria e teria desdobramentos perigosos, comuniquei o fato a reduzidíssimo grupo de amigos, nos quais deposito integral confiança. Com os telefones grampeados, uma das minhas conversas foi monitorada a mando de conhecido banqueiro oportunista, o qual tinha interesses espúrios no governo. O alarife e dublê de investidor entregou a gravação telefônica a um comissário palaciano, que, ato contínuo, tratou de acionar a sua malta. Um dos estafetas desse outrora prócer (sic) governista assumiu a missão de fazer ameaça por vias transversas. Procurou um dos meus interlocutores, integrante do Judiciário, para dizer que eu seria morto por decisão do tal integrante do governo.
O termo utilizado na ousada conversa (um monólogo, claro, pois quem ameaça fala sozinho) foi “cortar o mal pela raiz, mais cedo ou mais tarde”. Uma década depois continuo vivo, enquanto o mandante da ameaça jaz na cadeia no rastro da Operação Lava-Jato. Ou seja, ficará para a próxima encarnação a minha morte encomendada pelo marginal. O moleque de recados, desqualificado de mente e alma, transformou-se em senador da República, o que mostra que o Brasil está a anos-luz de ser um país minimamente sério.
Nesse período, muitos fatos estranhos ocorreram. Familiar sequestrado, grampos telefônicos, automóvel destruído, ameaças várias, casa invadida, monitoramento telemático, intimidações contínuas, terrorismo cibernético. Nada disso me fez recuar, desistir do compromisso de seguir adiante e passar o Brasil a limpo. Ainda há muito a fazer, mas o primeiro passo foi dado.
No começo de 2009 retornei com energia redobrada ao maior escândalo de corrupção de todos os tempos. Desta vez para levar às autoridades as muitas informações que amealhei em anos de jornalismo investigativo e que culminaram na Operação Lava-Jato, na pauta do cotidiano desde março de 2014. Como esperado, os marginais com mandato e cargos na estrutura do poder retomaram as investidas covardes e criminosas. Mesmo assim não recuei um só passo, mas eles até hoje continuam valendo-se de intimidações.
No dia em que a Operação Lava-Jato alcança o chefe da quadrilha, a sensação é de dever cumprido. Afinal, o compromisso assumido comigo mesmo era de insistir sem descanso até que isso acontecesse. Não significa que agora saio de cena, pelo contrário. Mas o momento é de reflexão e responsabilidade, já que do outro lado sobram sicários experimentados e dispostos a tudo. Só eu sei do que é capaz, especialmente nas coxias, essa súcia esquerdista que dilapidou a nação.
Fiz o que fiz por livre e espontânea vontade. Faria tudo outra vez se preciso fosse, desde que o objetivo maior e único continuasse o mesmo: o Brasil, para onde voltei apenas por amor à pátria, por discordar do banditismo político que grassa nessa terra de ninguém. Nada mereço, nada pleiteio, até porque cumpri o meu papel.
Contudo, como não saí de cena antes da hora, porque quem deseja liquidar alguém não manda recado, tenho direito a fazer uma só pergunta àquele que colocou em xeque o meu equilíbrio psíquico. Por onde anda o pulha que afirmou ser eu um esquizofrênico? Teria sido sua investida covarde e rasteira um rompante desmedido da própria incompetência profissional? Se foi, melhor seria ter se aproximado e pedido ajuda. Afinal, quem me conhece sabe que sou fã da parcimônia e tenho sempre a mão estendida, até mesmo para os adversários. Fora isso, além de viciado em aprender, sou reflexo imediato dos meus próprios erros.
Para o desespero de alguns – hoje são muitos – continuo em cena, firme e forte como nunca, mas acima de tudo com alma lavada e a psique no seu devido lugar. Certo de que nessa barafunda chamada Brasil não faltam candidatos a uma bem apanhada camisa de força. Obrigado, Senhor, por escutar as preces dos brasileiros de bem!
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, cronista esportivo, escritor e poeta.