No documento “A Alegria do Amor”, divulgado nesta sexta-feira (8), o papa Francisco pediu mais compreensão com relação às famílias não tradicionais. O pontífice pediu aos sacerdotes de todo o planeta para que aceitem gays e lésbicas, divorciados católicos e outras pessoas que vivem em situações que a Igreja considera “irregulares”.
O texto “Amoris Laetitia” tem 256 páginas e traz as conclusões de dois sínodos (reuniões) sobre a crise da família, realizados em outubro de 2014 e outubro de 2015. O documento representa uma mudança uma vez que reconhece as numerosas razões pelas quais os casais, segundo o contexto social e cultural, decidem conviver.
“Desejo, antes de mais nada, reafirmar que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito”, afirma o papa.
O pontífice alerta que a Igreja não deve continuar a fazer julgamentos e “atirar pedras” contra aqueles que não conseguem viver de acordo com ideais de casamento e vida familiar do Evangelho, destacou a Associated Press.
Contudo, o documento rejeita “os projetos de equiparação das uniões entre pessoas homossexuais com o matrimônio”. “Não existe nenhum fundamento para assimilar ou estabelecer analogias, nem mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família”, destaca o texto.
“É inaceitável que as Igrejas sofram pressões nessa matéria e que os organismos internacionais condicionem a ajuda financeira aos países pobres à introdução de leis que instituam o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo”, afirmou em outro trecho.
“Desejo, antes de mais nada, reafirmar que cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar qualquer sinal de discriminação injusta e, particularmente, toda a forma de agressão e violência”, afirma Francisco no documento.
O papa tem insistido em defender que a consciência individual deve ser o princípio orientador para os católicos para negociar as complexidades do casamento, da vida família e do sexo.
O sumo pontífice pediu à Igreja que “valorize” as “uniões de fato” e reconheça os “sinais de amor” entre estes casais e que sejam “acolhidos e acompanhados com paciência e delicadeza”.
“A escolha do matrimônio civil ou, em outros casos, da simples convivência, frequentemente não está motivada pelos preconceitos ou resistências à união sacramental, e sim por situações culturais ou contingentes. Nestas situações, poderão ser valorizados aqueles sinais de amor de que, de algum modo, refletem o amor de Deus”.
O Papa já tinha dado várias declarações que indicavam uma maior abertura. Em agosto de 2015, ele já tinha pedido para que os fiéis divorciados fossem acolhidos e não tratados como excomungados.
Em “A Alegria do Amor”, o líder dos católicos estende a mão aos divorciados que voltam a se casar e convida a Igreja a “fazê-los sentir que são parte da Igreja” e recorda que “não estão excomungados”.
“Estas situações exigem um atento discernimento e um acompanhamento com grande respeito, evitando qualquer linguagem e atitude que faça com que sintam-se discriminados, promovendo sua participação na vida da comunidade”, escreveu Francisco.
No entanto, o padre José Eduardo Oliveira, que é doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz e sacerdote da diocese de Osasco, na Grande São Paulo, explica que embora o documento fale em acolhida dos divorciados, não menciona se eles poderão voltar a comungar.
Os casos devem ser analisados a partir de normas já estabelecidas anteriormente. “Não existe uma normativa geral de tipo canônica aplicável a todos os casos”, diz o documento.
“É preciso analisar cada caso e existem algumas situações em que documentos anteriores, como o Familiaris Consortio [de novembro de 1981], do Papa João Paulo II, já prevê alguns casos de divorciados que voltaram a casar podem voltar à comunhão desde que vivam a castidade conjugal”, explicou o padre.
O documento também afirma que na Igreja é necessária uma unidade de doutrina e de praxe, mas isso não impede que subsistam diferentes maneiras de interpretar alguns aspectos da doutrina ou algumas consequências que derivem dela. “Em cada país ou região, é preciso buscar soluções mais culturalistas, atentas às tradições e aos desafios locais”, segundo a France Presse.
A CNN afirma que o documento tem muitos elementos para agradar liberais e conservadores, o que faz com que ele tenha um alcance limitado.
Conforme o padre José Eduardo Oliveira o documento não é revolucionário do ponto de vista doutrinal, mas “do ponto de vista pastoral pode ser”. “Qualquer análise que queira colocar o documento no jogo de disputa entre liberais e conservadores, é muito reducionista. Acho que esse documento tira todo mundo da sua zona de conforto”, afirmou.
Para o padre Oliveira, o documento representa um avanço. “O Papa não fica em um discurso teórico, ele analisa os problemas que as famílias enfrentam no mundo de hoje e mostra a necessidade de acompanhar essas famílias. Nesse sentido é um avanço”.
“Durante muito tempo acreditamos que apenas insistindo em questões doutrinais, bioéticas e morais (…) sustentaríamos suficientemente as famílias, consolidaríamos o vínculo dos esposos e encheríamos o sentido de suas vidas compartilhadas”, diz o documento.