Aposentadoria, direito adquirido e expectativa de direito

(*) Rizzatto Nunes

rizzatto_nunes_05Nos últimos dias, o noticiário tem mostrado que o Governo Temer, dentre as várias medidas a serem tomadas, está cogitando modificar o sistema de aposentadorias pública e privada. Não farei qualquer comentário de ordem política ou econômica a respeito, eis que há vários publicados e muito bem feitos, explicando o problema existente e a necessidade ou não da reforma a ser proposta, o que, evidentemente, afeta a expectativa de milhões de brasileiros.

No entanto, li também que existe uma discussão em torno do “direito adquirido” dos que já estão no mercado de trabalho. É sobre isso que falo abaixo, pois a questão do direito adquirido e da expectativa do direito é bem conhecida até pelos estudantes do primeiro ano da Faculdade de Direito.

Aliás, é tão simples que, peço licença ao leitor para transcrever trecho de meu livro Manual de Introdução ao Estudo do Direito, que explica o tema (i). Eis:

Direito adquirido, como o nome sugere, é o que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e/ou à personalidade do sujeito de direito. Em outros termos, o direito torna-se adquirido por consequência concreta e direta da norma jurídica ou pela ocorrência, em conexão com a imputação normativa, de fato idôneo, que gera a incorporação ao patrimônio e/ou à personalidade do sujeito.

Diz respeito, portanto, a uma ocorrência real e concreta, diante de norma jurídica vigente em dado momento histórico. Esse direito adquirido, uma vez incorporado ao patrimônio e/ou à personalidade, não pode ser atingido por norma jurídica nova.

Por exemplo, uma lei garante aposentadoria por tempo de serviço ao trabalhador após 35 anos de serviços. Certo cidadão trabalhou 36 anos e ainda não se aposentou.
Requerendo ou não a aposentadoria, ele tem direito adquirido de se aposentar, pois já se verificou concretamente a hipótese legal para a aquisição do direito: o trabalho exercido por 35 anos.

Suponhamos que, após esse trabalhador ter adquirido o direito de se aposentar (que se incorporou à sua personalidade aos 35 anos de serviços), surja nova lei dizendo que a aposentadoria só será possível aos 40 anos de serviço efetivo. Nesse caso ele não seria atingido pela lei nova: pode simplesmente se aposentar.

Todavia, uma coisa é o direito adquirido, outra diferente é a expectativa de direito. Esta é a mera possibilidade de aquisição de direito, que, dependendo da implementação de certas circunstâncias, ainda não se consumou.

A expectativa, por mais legítima que possa ser, não tem garantia contra a lei nova. Tomemos o exemplo já citado, com a lei permitindo que o trabalhador se aposente após 35 anos de serviços. Suponhamos, agora, diferente: que o empregado tenha prestado serviços por 34 anos. Dir-se-á: ele ainda não pode aposentar-se, pois só terá direito (adquirido) de fazê-lo um ano depois (com 35 anos de trabalho).

Digamos que surja nesse interregno de um ano que lhe falta, uma nova lei que estipula a concessão da aposentadoria após 40 anos de serviço efetivo. Nesse caso, tal trabalhador não poderá aposentar-se. Ele ainda não tinha direito adquirido quando surgiu a lei nova, mas tão somente expectativa de direito.

De fato, o evento pode ser doloroso, mas a verdade é que esse trabalhador não tem proteção contra a lei nova (é por isso que em casos de alterações de leis desse tipo — aposentadoria adquirida por tempo de serviço — a boa técnica manda que se coloque a lei nova em vigor somente após alguns anos ou que a lei nova assegure certos direitos — proporcionais, por exemplo — para aqueles que ainda estavam na expectativa).

Essa é pois, nua e crua, a situação jurídica. O imbróglio, claro, envolve expectativas, que são legítimas, daqueles que querem se aposentar. Para essas expectativas haverá muitas posições políticas, econômicas e sociais a serem apresentadas, estudadas e que, naturalmente, devem ser levadas em consideração.

(i) Manual de Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo: Saraiva, 13ª. edição, págs. 270/272.

(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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