O Dia das Crianças e o mercado de consumo

(*) Rizzatto Nunes

Em função da proximidade do Dia das Crianças, volto ao tema que aqui já abordei.

rizzatto_nunes_05Nos anos vinte do século passado, o deputado federal Galdino do Valle Filho teve a ideia de homenagear as crianças, criando um dia para elas. A ideia vingou e, por intermédio do Decreto nº 4867, de 5 de novembro de 1924, o Presidente Arthur Bernardes oficializou o dia 12 de outubro como o Dia das Crianças. Todavia, a data ficou esquecida por muitos anos.

Mas, veja, meu caro leitor, que significativo: em 1960 a fábrica de brinquedos Estrela fez uma promoção conjunta com a Johnson & Johnson para lançar a “Semana do Bebê Robusto” e, com isso, aumentar suas vendas. A estratégia de marketing deu certo. Logo depois, outras empresas lançaram-se no mesmo projeto, divulgando a semana da criança para aumentar suas vendas e, no ano seguinte, os fabricantes fizeram renascer a data do antigo Decreto e o dia 12 de outubro passou a ser comemorado como o Dia das Crianças, isto é, o dia em que as crianças ganham presentes… E, claro, a semana em que o mercado de produtos para crianças fatura alto.

Vai-se, portanto, comemorando esse dia comprando e dando produtos para as crianças. Certamente, neste ano, apesar da crise, não será diferente com vendas de tudo quanto é brinquedo e muita bugiganga. Espero que coisas úteis sejam oferecidas. Aproveito, então, a data para propor uma reflexão sobre o tema de um Dia para a Criança.

Na verdade, a ONU reconhece o dia 20 de novembro como o Dia Universal (ou Mundial) das Crianças, pois foi nessa data do ano de 1959 que foi publicada a Declaração Universal dos Direitos das Crianças. E, embora essa data seja também sempre lembrada entre nós, é o dia 12 de outubro que conta, pelo menos em termos de compras. Pensemos nisso.

Dia 12 de outubro é feriado nacional desde 1980, dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira oficial do Brasil. E, como no dia 15 de outubro se comemora o Dia do Professor, acabou-se juntando uma data n´outra, e nesta nossa terra de Macunaíma, criou-se a Semana do Saco Cheio: foram os estudantes universitários que, por volta dos anos oitenta do século passado, inventaram mais uma semana para enforcar aulas. E não é que pegou? Atualmente, essa semana fica sem aulas em muitos Colégios e Universidades. Já faz parte do calendário escolar.

Mais um filão para o mercado: dia de presentes, precedido de semana de compras; feriado, semana sem aulas, pacotes de viagens, hotéis, turismo enfim. O capitalismo agradece.

Mas, retorno às crianças. Com efeito, cabe aos pais decidir o que comprar para seus filhos. É preciso explicar aos menores a desnecessidade da aquisição da maior parte das bugigangas que são oferecidas; é salutar que se explique aos filhos o que realmente importa, o que de fato tem valor permanente.

O primeiro caminho é descobrir o que dar. Tem-se, portanto, que refletir sobre a qualidade do presente. Haverá coisas úteis e porcarias. Coisas indispensáveis e outras desnecessárias. O mercado saberá oferecer de tudo. O marketing sedutor, aliado ao sistema de crédito e parcelamento consegue convencer até quem não pode comprar a adquirir produtos e se endividar (ou aumentar ainda mais seu endividamento).

Veja-se esse exemplo: algumas lojas vendem sapatos com salto alto para meninas de seis, cinco anos ou menos. Algo que devia literalmente ser proibido, não só porque faz mal para o corpo (como toda mulher sabe) como porque cria uma imagem adulta na criança, algo ridículo de se ver. Mas, quem compra o tal sapato? É um adulto. Aliás, existe toda uma enorme gama de produtos para meninas muito pequenas em idade, para que elas reproduzam a imagem das mulheres (suas mães ou outras mulheres), o que lhes rouba a já tão curta infância.

Bem, isso em relação à qualidade. Agora, lembro da quantidade. Quantos presentes uma criança deve ganhar de uma só vez?
Como se trata de uma data específica para a criança e esta, às vezes, tem muitas pessoas à volta para presenteá-la, é comum que ela acabe ganhando muitas coisas. Acontece que é também comum que as crianças que recebam muitos brinquedos logo se desinteressem da maior parte deles. A criança que ganha muita coisa numa só ocasião tende a desvalorizar tudo ou escolhe um e abandona o restante.

É preciso, pois, aproveitar a data para mostrar a desimportância de ter muitas coisas ao mesmo tempo. Assim, a criança pode aprender a valorizar o que ganha (como o adulto aprende a duras penas).

(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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