Se Delcídio foi preso por tentativa de obstrução à Justiça, Renan Calheiros não pode ficar impune

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O Congresso Nacional teria vivido mais um dia modorrento nesta sexta-feira (21), não fosse a Operação Métis, da Polícia Federal, que prendeu quatro integrantes da Polícia Senado, sob a acusação de executarem serviço de contraespionagem para políticos investigados na Operação Lava-Jato: os senadores Edison Lobão (PNDB-MA), Fernando Collor de Mello (PTC-AL) e Gleisi Helena Hoffmann (PT-PR) e o ex-senador José Sarney (PMDB-AP).

As operações de varredura eletrônica foram devidamente autorizadas pelo presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), que também é alvo de investigação no âmbito da Lava-Jato. O episódio, que tem a essência inequívoca de escândalo, pode piorar a já complicada situação dos senadores mencionados, pois a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve solicitar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de investigação dos políticos envolvidos. No caso de Sarney, que não tem mandato parlamentar, é desnecessária a autorização para investigá-lo.

Em nota distribuída à imprensa, logo após a prisão dos policiais legislativos, Renan Calheiros tentou minimizar a ação ilegal da Polícia do Senado, mas está patente que houve uma flagrante tentativa de obstruir as investigações da Lava-Jato.

“Convém reiterar que Polícia Legislativa exerce suas atividades dentro do que preceitua a Constituição, as normas legais e o regulamento administrativo do Senado Federal”, destaca a nota.

“Atividades como varredura de escutas ambientais restringem-se a detecção de grampos ilegais (Regulamento administrativo do Senado Federal Parte II Parágrafo 3, inciso IV), sendo impossível, por falta de previsão legal e impossibilidades técnicas, diagnosticar quaisquer outros tipos de monitoramentos”, reforça o presidente do Senado.

No documento, Calheiros afirma ainda que as instituições “devem guardar os limites de suas atribuições legais”, sem fazer referência específica a qualquer órgão.

“Valores absolutos e sagrados do Estado Democrático de Direito, como a independência dos poderes, as garantias individuais e coletivas, liberdade de expressão e a presunção da inocência precisam ser reiterados”, conclui a nota.

O diretor da Polícia do Senado, Pedro Ricardo Araújo de Carvalho, preso na Operação Métis, é ligado a Renan Calheiros e descrito pela Polícia Federal como líder da “organização criminosa”. No caso de os policiais legislativos terem atuado, no escopo da varredura eletrônica, contra o que determina a legislação, é preciso saber quem autorizou o avanço da operação. E nesse caso quem responde pelo Senado é o presidente da Casa.


Renan Calheiros sabe que errou ao autorizar o trabalho de contrainteligência, podendo inclusive ser responsabilizado criminalmente por seu ato. Tomando por base que a tentativa de obstrução da Justiça já levou alguns investigados na Lava-Jato, como o ex-senador Delcídio Amaral, à prisão, em um país minimamente sério o presidente do Senado já estaria prestando contas a quem de direito.

A grande questão que surge desse rumoroso imbróglio é que o País está perante gravíssima queda de braços entre dois Poderes: o Legislativo e o Judiciário. E o resultado desse enfrentamento pode ter consequências imprevisíveis.

Diante da informação da existência de grampos (telefônicos ou ambientais) supostamente ilegais, o Senado deveria ter acionado a Polícia Federal. O cenário torna-se ainda mais complexo porque os policiais legislativos que executaram o serviço, sob as expensas do dinheiro público, sabiam da ilegalidade, especialmente porque em algumas o ocasiões a varredura eletrônica se deu após cumprimento de mandados judiciais de busca e apreensão na esfera da Lava-Jato.

Ministro da Justiça, Alexandre Moraes afirmou nesta sexta-feira que as investigações mostram de forma clara que os policiais legislativos extrapolaram o limite de sua competência.

“O que as investigações levaram à conclusão, e isso referendado pelo Ministério Público, com ordem judicial, é que em tese alguns servidores da polícia do Senado realizaram uma série de atividades direcionadas à obstrução da Justiça. Em tese, eles extrapolaram o que seria de sua competência”, disse Moraes, após participar de cerimônia de lançamento de um novo sistema eletrônico de inquéritos da Polícia Federal, em Brasília.

A Operação Métis foi esculpida no rastro da delação de dois policiais legislativos que se negaram a executar o serviço de contraespionagem, pois sabiam que se tratava de uma ilegalidade. A partir dos depoimentos prestados à Procuradoria-Geral da República, a prisão dos envolvidos foi uma questão de tempo.

Compilados os muitos detalhes da confusão, a próxima semana promete ser agitada em Brasília, uma vez que o Supremo não poderá permanecer impávido diante de eventual manifestação por parte da PGR.

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