“Desumano”. Eis a palavra usada pela deputada federal Clarissa Garotinho (PR-RJ) para protestar contra a decisão do juiz que determinou a imediata transferência do ex-governador Anthony Garotinho do Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, para o Complexo Penitenciário de Bangu, na Zona Oeste da capital fluminense.
A transferência foi determinada porque, segundo o juiz, “Anthony Garotinho estava recebendo diversas regalias no Hospital Souza Aguiar” e que “nenhum preso por ordem judicial pode ter direito a qualquer regalia ou tratamento diferenciado, seja em unidade prisional ou hospitalar”.
A família do político, preso na Operação Chequinho por crime eleitoral, alega que no complexo penitenciário não há unidade coronariana para que Garotinho seja submetido ao tratamento recomendado pelos médicos.
Nove entre dez autoridades brasileiras não aceitam ser tratadas dentro do que prevê o Estado Democrático de Direito, ou seja, com a isonomia que faz com que todos os cidadãos sejam iguais,como prega a Constituição federal em seu artigo 5º – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Clarissa Garotinho é tão eloquente e boquirrota quanto o pai, que faz da bazófia provocativa uma arma para estocar os adversários políticos. Como nessa seara é preciso viver um dia de cada vez, sem abandonar o o olhar na direção do futuro, o melhor é manter a cautela e modular o discurso.
A situação ora enfrentada por Anthony Garotinho é a mesma de mais de 500 mil detentos existentes no País, com a ressalva de que no caso do ex-governador algumas precauções foram tomadas para evitar tumultos e outras manifestações.
Para quem resistiu à transferência e por algumas vezes levantou-se da maca para protestar contra os agentes policiais e cidadãos comuns que acompanhavam a operação, Garotinho mostrou de forma inequívoca que está muito melhor de saúde do que alegam seus familiares.
Sobre as declarações da deputada Clarissa Garotinho, herdeira política do pai, sua manifestação é no mínimo descabida, mesmo diante da dificuldade que representa a prisão de um parente tão próximo. Mesmo assim, usar o vernáculo “desumano” para condenar a transferência do ex-governador do Rio para a prisão é um acinte que não cabe nem mesmo no mais ousado dos enredos. Legisladora que é, Clarissa deveria ter recomendado ao pai que cumprisse a lei e respeitasse a decisão judicial, que pode ser discutida posteriormente.
Como na vida nada acontece por acaso, lembrando que cada qual colhe aquilo que planta, esse episódio servirá para que a família Garotinho repense a forma de tratar os eleitores, sempre vítimas do populismo barato e rasteiro de políticos profissionais.
Ademais, no momento em que ex-governadores de Estado acabam na prisão, por conta de desmandos e crimes vários, fica claro que a democracia brasileira, mesmo que ainda jovem e frágil, está em processo de amadurecimento. Como disse o imperador Júlio César aos seus comandados à beira do Rio Rubicão, “Alea jacta est” (a sorte está lançada).