Operação última chance

(*) Carlos Brickmann

Que José Serra operou a coluna no fim do ano é fato conhecido; que os médicos lhe recomendaram que por alguns meses, até a recuperação total do organismo, evitasse viagens prolongadas, é inegável. Que Serra desde então, para cumprir a agenda de chanceler, só viajou na companhia de um médico, com ampla variedade de fortes remédios contra a dor, Brasília inteira sabia. O presidente Temer estava pronto a dar ao chanceler uma licença do cargo, pelo tempo que fosse necessário. Não queria perder um dos mais eficientes de seus ministros, o primeiro a tomar medidas de impacto positivo, como recolocar Venezuela e bolivarianos em geral no lugar que lhes cabe – e olhe lá!

Mas Serra é um ser político. Preocupa-se com sua saúde (dizem até que é hipocondríaco), mas se preocupa muito mais com seu futuro político. Aos 75 anos, quase 76 no dia das eleições, sabe que esta é sua última chance de ser presidente. E seu sonho não é ser um grande chanceler: é ser presidente.

A idade não o preocupa. Adenauer assumiu a chefia do Governo alemão aos 75 anos, mudou a cara do país e da Europa. Deixou ao poder por vontade própria 19 anos depois, aos 94 anos, após firmar aquilo que se julgava até então impossível: um tratado de paz e amizade entre Alemanha e França.

Mas há uma maldição política que Serra está desafiando: quem muito quer a Presidência não chega lá. Maluf, Quércia, Ulysses, Carlos Lacerda, o brigadeiro Eduardo Gomes se prepararam, lutaram, e ficaram pelo caminho.

A vez dos sem voz

Em compensação, Itamar Franco, José Sarney, o marechal Eurico Gaspar Dutra, o ministro do Supremo José Linhares jamais pensaram em chegar à Presidência. Todos chegaram. Jânio Quadros queria ser presidente, e foi – mas queria mais do que isso e em sete meses acabou largando o mandato.

Aliança sem limites

Serra tem outro problema: seu partido, o PSDB, é integralmente formado por amigos, dos quais todos se detestam. Serra foi candidato e Aécio Neves, então governador de Minas, à época com muito prestígio, abandonou-o (como abandonaria também Geraldo Alckmin, recebendo a devida retribuição quando saiu candidato contra Dilma e foi surrado até em Minas. O PSDB, como ocorre desde 2002, está dividido entre Aécio, Alckmin e Serra.

João Dória, que vem conquistando a população de São Paulo, diz que quer apenas ser prefeito. Claro que aceitaria ser candidato à Presidência, mas não liderando um partido rachado. E emendá-lo é mais difícil do que lembrar aos líderes das várias facções que podem voltar a ser amigos, ao menos na época da eleição.

Fogo amigo

O advogado José Yunes, amigo de fé e irmão camarada de Michel Temer, abriu fogo na direção do ex-amigo de fé e ex-irmão camarada. Disse ter recebido e encaminhado uma caprichada propina da Odebrecht a Eliseu Padilha, ligadíssimo a Temer (em seu Governo chegou a ministro) – e ainda por cima o pacote teria sido levado a seu escritório pelo doleiro Lúcio Funaro, frequente personagem das investigações da Lava Jato. Padilha é amigo de Temer, o mais próximo a ele; mexeu com um, mexeu com outro. Mas Yunes foi mais longe: disse que Temer tinha conhecimento do repasse do dinheiro.

Não podia ser pior? Podia: nesta quarta-feira de Cinzas, o ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral, relator do processo que pode levar à cassação da chapa Dilma-Temer, vai a Curitiba ouvir Marcelo Odebrecht e dois outros delatores da empresa sobre o financiamento à campanha de ambos.

Temer na mira

A acusação examinada pelo TSE é de que Temer, como vice na chapa de Dilma, é igualmente culpado de todas as violações à lei ocorridas na campanha. Caso isso tenha ocorrido, a chapa inteira é cassada e Temer perde o cargo. A defesa de Temer é que, embora companheiros de chapa, cada um conduziu sua própria campanha, e o vice não participou de eventuais ilegalidades patrocinadas pela líder da chapa. Pelo sim, pelo não, Temer gostaria de ver o processo andar devagarzinho, sem ameaçar sua posição de presidente da República. Já o ministro Herman Benjamin quer concluir logo o processo. Ele já disse que o processo não pode durar indefinidamente.

O atirador

O ministro Herman Benjamin poderia retirar, dos abundantes depoimentos já prestados pelo pessoal da Odebrecht, os trechos que interessarem ao processo. Mas preferiu interrogar pessoalmente os principais delatores, para apurar todos os detalhes possíveis. Poderia também ouvir os depoentes por videoconferência, mas preferiu ir a Curitiba para ouvi-los pessoalmente. Temer não está gostando da rapidez com que o caso anda nem com a busca do ministro por detalhes das propinas.

E, cá entre nós, faz bem em preocupar-se.

Pressa?

Temer só não pode reclamar da pressa. Daqui a pouco, termina seu mandato sem que o caso seja examinado. Benjamin tem de acelerar, sim.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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