Em meio ao furacão político, a consciência tranquila por não ter defendido Temer nem bajulado Aécio

(*) Ucho Haddad

Quando paro e penso que andei de bonde em São Paulo, usei equipamentos como telefoto (avô do fax), mimeógrafo e telex, filmei com câmera super 8, fotografei com a boa e velha Rolleiflex e datilografei muitos textos na minha portátil Lettera 82, chego à conclusão que o tempo passou com excesso de ligeireza, mas sem comprometer a jovialidade do pensamento. Mesmo assim, sei que meus inegáveis 58 anos (quase 59) trouxeram coisas positivas, como ponderação, parcimônia e cautela. Apesar de vez por outra ainda cometer erros, graças a Deus. Aliás, sou o melhor produto dos meus próprios erros.

Ao longo de quatro décadas de jornalismo, jamais bajulei políticos, adulei governantes ou incensei autoridades. A cada um dediquei o devido respeito, mas em nenhum momento deixei de direcionar-lhes necessárias e ácidas críticas de minha lavra. Sempre com a necesária responsabilidade. Afinal, quem escreve precisa ser responsável pela informação que está a disseminar.

Nos últimos tempos, com o advento da internet, o avanço da tecnologia e a explosão das redes sociais, o “vale tudo” dominou a cena quando o assunto foi política e seus inefáveis penduricalhos temáticos. Sem dúvida alguma tem sabor de vitória e prazer noticiar um furo de reportagem, desde que para tanto não seja preciso vender a alma ao diabo.

Sempre trouxe comigo – e ainda carrego – o conceito de que mais importante que a notícia exclusiva é a análise balizada dos fatos. É exatamente assim que faço e continuarei fazendo jornalismo, certamente porque tal comportamento reflete minha essência. Porém, em momento algum darei as costas à notícia exclusiva, como comprova o meu trabalho.

Tenho percebido de forma recorrente que o exercício do jornalismo começou, em alguns casos, a avançar na seara do vedetismo desmedido. Como mencionei acima, um furo de reportagem faz bem ao ego, como está a acontecer com o competente jornalista Lauro Jardim, de “O Globo”, que revelou em primeira mão o JBSgate, mas alguns profissionais da imprensa nacional têm exagerado na incessante busca dos holofotes.

A questão não é condenar o insistente uso da primeira pessoa do singular – eu faço, eu conheço, eu aconteço, eu posso, eu tudo –, mas o fato de estar em destaque a qualquer preço. Se essa é a receita do sucesso no universo midiático, confesso que não pensarei duas vezes antes de pagar o boné e pendurar o teclado do computador. Até porque, não há riqueza maior do que a consciência tranquila.

Faço tal afirmação porque alguns profissionais da imprensa verde-loura recorrem de forma tão perniciosa a um eventual excesso de intimidade com determinados políticos, que não conseguem perceber que tamanho exibicionismo tem efeito devastador na própria credibilidade – se é que essa existe. A situação chega a ser bizarra e nauseante, mas alguns desses magnânimos (sic) “troca-letras” sequer coram a face ao elogiar de forma desmedida e irresponsável determinados políticos, apenas porque esse movimento genuflexo supostamente garante audiência. Mesmo sabendo que no Brasil política e corrupção são irmãs siamesas.

Alguns adotam essa prática condenável para manter as fontes de informações, por isso são moderados nas análises e nos comentários – muitas vezes chegam a aderir ao “puxa-saquismo”. Outros assim agem para manter o emprego, quando deveriam se dedicar ao trabalho. Entre manter uma fonte, sendo obrigado a policiar o próprio pensamento, e ser independente e livre, podendo emitir opiniões, fico com a segunda opção, situação em que há muito me encontro.

Em meio ao furacão que se formou no rastro das delações dos irmãos Wesley e Joesley Batista, donos do grupo JBS, que colocou o presidente da República contra a parede palaciana e liquidou a mineirice bandoleira de um senador, saio não apenas ileso em termos jornalísticos, mas com a consciência tranquila, principalmente porque cumpri à risca o compromisso assumido com cada um dos leitores. Escrever a verdade, mesmo que esta contrarie a opinião pública.

Não bajulei Michel Temer, até porque nunca lhe dei crédito como político, pelo contrário, não adulei Aécio Neves, pois sempre afirmei ser ele um incompetente mimado que cresceu na política à sombra do cadáver do avô. O exagero que cometi em ambos os casos foi afirmar que Temer, mesmo não sendo o presidente dos sonhos, era o que o Brasil tinha à disposição, assim como afirmei que como candidato à Presidência Aécio era uma boa arma contra o banditismo político do PT.

Os que até a noite de quarta-feira, minutos antes da eclosão do JBSgate, seguiram o caminho contrário, bajulando Aécio Neves e defendendo Michel Temer, ou vice-versa, chegaram ao “day after” um pouco atordoados e com doses de ressaca na consciência. Alguns mantiveram a postura de vendilhão, outros mostraram ser “vira-casaca”. É inegável que o melhor presente para quem escreve é ter quem leia, mas a consciência tranquila e a sensação do dever cumprido não têm preço. Mesmo que um ou outro político ouse querer comprá-las.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, fotógrafo, escritor e poeta.

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