Até o início da quarta-feira (17), que terminou de forma extremamente conturbada em termos políticos, o governo do agora enrolado Michel Temer avançava aos tropeços no vácuo de uma base de apoio no Congresso movida pelo fisiologismo criminoso e por interesses eleitorais difusos.
Quando o jornalista Lauro Jardim publicou em sua coluna do jornal “O Globo”, por vota das 19h30, que em gravação feita pelo empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo JBS, o presidente Michel Temer aparece autorizando a compra do silêncio de Eduardo Cunha, preso na Operação Lava-Jato, o inferno astral do governo entrava em seu primeiro e escaldante capítulo.
Com a eclosão do escândalo, muitos apoiadores de Temer não demoraram a desembarcar do governo, como fazem os ratos quando abandonam o porão durante o naufrágio. Esse movimento é comum no universo político, onde a lealdade, na melhor das hipóteses, chega até a página dois.
Horas depois da constatação do caos, a classe política já iniciava as primeiras articulações visando o futuro. Não do País, mas dos próprios políticos. De pedidos de impeachment movidos pela vingança ideológica a sugestões várias de antecipação das eleições presidencial e para as duas Casas do Congresso (Senado Federal e Câmara dos Deputados), tudo surgiu no cardápio no cardápio da confusão que se formou como rastilho de pólvora.
A proposta é descabida e afronta a Constituição Federal, não sem antes atender aos interesses canhestros de alguns oportunistas de plantão, todos no melhor estilo “salvador da pátria”, e de alarifes que afundam na lama do Petrolão, em especial o ex-presidente Lula, que busca um novo mandato presidencial para evitar condenação no âmbito da Operação Lava-Jato e fermentar a impunidade.
Em seu artigo 60, a Carta Magna estabelece de forma clara e inequívoca os impeditivos para a deliberação de proposta de emenda constitucional. Art. 60 – “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais”.
Tomando por base o fato de o artigo 60 da CF ser considerado cláusula pétrea, a antecipação de eleições não é possível nem mesmo por emenda constitucional. Para que isso ocorra é preciso convocar uma Assembleia Constituinte, com o objetivo de fazer uma nova Carta. Se antecipar eleições é vedado pela Constituição, a lei máxima do País também define, no artigo 81, como se deve dar uma nova eleição em caso de vacância da Presidência da República e da Vice-Presidência.
“Art. 81 – Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
Parágrafo 1º – Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
Parágrafo 2º – Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.”
Como o cargo de vice-presidente da República está vago desde o impeachment de Dilma Rousseff, caberia ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em caso de vacância na Presidência da República, assumir o Executivo e convocar nova eleição indireta em no máximo trinta dias. É neste exato ponto que reside o perigo que pode levar o País ao retrocesso democrático.
Quem pode disputar uma eleição indireta?
A forma como deve ocorrer a eleição indireta, capitaneada pelo Congresso Nacional, é uma longeva interrogação, pois porque ainda não há uma lei que regulamente o artigo 81 da Carta Magna. De igual modo não há definição sobre quem pode se candidatar ao cargo em caso de vacância. A última norma sobre assunto é de 1964 e, segundo juristas, conflita com a Constituição atual. Em suma, a confusão está formada e deve crescer com o passar dos dias.
Em 2013, uma comissão mista do Congresso aprovou o Projeto de Lei nº 5821/2013, cujo objetivo é eliminar o vácuo normativo e regulamentar o dispositivo da Constituição, mas a discussão está parada desde então, com o PL pronto para ser votado no plenário da Câmara dos Deputados. O mencionado PL também estabelece que o voto de deputados e senadores para a eleição do novo presidente da República deve ser aberto.
Entre as regras definidas pelo PL constam algumas obrigações ao candidato: ser filiado a partido político, ter pelo menos 35 anos de idade e não estar enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Por outro lado, de acordo com as regras atuais, alguns constitucionalistas defendem que qualquer cidadão com direitos políticos preservados pode ser candidato. Esse também é o entendimento do UCHO.INFO.
Os casos mais recentes de vacância do cargo na segunda metade do mandato são de governadores e ocorreram no Distrito Federal e em Tocantins. Em ambas as situações aplicou-se por analogia o artigo 81 da Constituição em combinação com a Lei nº 4.321/64. Nos dois casos foram autorizadas apenas candidaturas de integrantes do Legislativo (deputados estaduais). Tomando essa solução por base, Michel Temer, se mantiver o apoio da base aliada, tem a possibilidade de eleger o sucesso, caso seja apeado do cargo de alguma maneira.