A Assembleia Nacional Constituinte venezuelana, impulsionada pelo presidente e dublê de ditador Nicolás Maduro, foi instalada nesta sexta-feira (4), apesar da onda de críticas de boa parte da comunidade internacional e da oposição, que a descreve como o último passo para a consumação de uma ditadura no país.
O órgão plenipotenciário terá a missão de reescrever a Constituição de 1999, prometendo dar mais poderes a Maduro. Seus 545 membros, todos aliados do governo, foram eleitos no domingo passado em votação marcada pela violência em protestos, boicote da oposição e acusações de fraude.
A instalação da Constituinte foi oficializada em cerimônia no Palácio Federal Legislativo, em Caracas. O prédio é sede do Parlamento, de maioria opositora e atualmente o único elemento de contrapeso no jogo político na Venezuela. Os dois órgãos devem realizar sessões em paralelo, em salas diferentes.
Durante a cerimônia nesta tarde, os representantes da Constituinte, que incluem a esposa e o filho de Maduro, tomaram seus assentos no salão oval para uma sessão inaugural, na qual foram escolhidos os membros que vão liderar o órgão daqui para frente.
Como presidente foi nomeada a ex-ministra venezuelana do Exterior Delcy Rodríguez, antiga aliada de Maduro. Logo abaixo dela estão o ex-vice-presidente da Venezuela Aristóbulo Istúriz e o ex-procurador Isaías Rodríguez, eleitos primeiro e segundo vice-presidentes, respectivamente.
Em seu discurso, Rodríguez agradeceu ao presidente por ter “estimulado os sábios poderes do povo venezuelano” e afirmou que a Constituinte foi instalada para trazer justiça.
“Chegamos para curar a Venezuela das feridas da guerra econômica”, garantiu ela, negando ainda a existência de uma crise humanitária no Estado e acusando a oposição de criar fatos falsos.
“Na Venezuela não existe fome, existe vontade. Não existe crise humanitária, existe amor. Existe uma crise dos fascistas de direita”, acrescentou, antes de prometer uma resposta firme àqueles “que querem derrubar um governo constitucional e legítimo”. “São violadores dos direitos humanos.”
Rodríguez também rechaçou as críticas da comunidade internacional, clamando para que os países não se “enganem em relação à Venezuela”. “A mensagem está clara: os venezuelanos resolvem seus conflitos entre venezuelanos, sem nenhum tipo de interferência externa, sem nenhum tipo de mandato imperial”, afirmou.
Apesar da pressão, a presidente disse que os trabalhos na Constituinte começarão já neste sábado, a partir das 11h (horário local), em prol da “renovação constitucional e o entendimento nacional”.
Críticas internacionais
A convocação da Assembleia Constituinte foi amplamente criticada por diversos países da América Latina, como Colômbia e México, bem como pela União Europeia e pelos Estados Unidos, que afirmaram que não reconheceriam o resultado da eleição de domingo passado.
O Brasil, por meio de uma nota do Itamaraty, também lamentou a decisão de Maduro de promover a votação, mostrando-se preocupado com a escalada de violência no país vizinho. Nesta sexta-feira, o governo recomendou que Caracas seja suspensa do Mercosul até que retorne à democracia.
O Vaticano quebrou o silêncio nesta mesma sexta-feira. Em comunicado, a Santa Sé expressou a preocupação do papa Francisco com a situação na Venezuela e instou o governo Maduro a suspender a instalação da Constituinte, por fomentar um “clima de tensão” e “hipotecar o futuro”.
A nota ainda lamentava “a radicalização e o agravamento da crise” e afirmava que o pontífice “acompanha de perto” a situação e “suas implicações humanitárias, sociais, políticas, econômicas e, inclusive, espirituais”.
“A Santa Sé pede a todos os atores políticos, e em particular ao governo, que assegurem o pleno respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, como também da vigente Constituição”, dizia o texto.
Aliados comemoram
Apesar da pressão exercida por diversos países, Maduro ainda conta com o apoio de alguns governos, como o da China, Rússia, Cuba, Bolívia e Nicarágua, todos alinhados ideologicamente ao governo de Caracas ou com algum interesse comercial ou geopolítico no âmbito da nação sul-americana.
O presidente boliviano, Evo Morales, comemorou a inauguração da Constituinte nesta sexta-feira. “Saúdo e felicito o início da Constituinte venezuelana, democrática e revolucionária. Novo processo de libertação contra a intervenção dos EUA”, afirmou o líder em mensagem no Twitter.
O governo da Nicarágua emitiu uma nota no mesmo tom. “Com respeito absoluto à soberania e ao compromisso do governo e do povo venezuelano com a paz e a democracia, queremos saudar a instalação da Assembleia Nacional Constituinte nesse país irmão”, afirma um comunicado.
Maduro convocou a formação de uma Assembleia Constituinte em maio, após semanas de protestos em meio à crise no país, que enfrenta inflação alta e escassez de alimentos e medicamentos.
Desde 1º de abril, a Venezuela vive uma série de manifestações a favor e contra o governo, que já deixaram mais de 120 mortos em todo o país. (Com agências internacionais)