A tensão que permeia as zonas de convivência entre os Poderes constituídos está em ascensão, impondo à democracia brasileira momentos de temeridade. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de determinar o afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato de senador vem causando discussões acaloradas no Senado.
O presidente da Casa, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse que “se a Constituição foi ferida” cabe ao Senado tomar uma decisão. Por outro lado, integrantes da oposição defendem que o Senado deve simplesmente acatar a decisão do STF, que impôs ao senador mineiro o recolhimento domiciliar noturno, ou seja, Aécio não pode sair de casa à noite.
Alguns parlamentares entendem que essa determinação corresponde à pena de prisão domiciliar, pois cerceia o direito de ir e vir de Aécio Neves. Além disso, senadores apegam-se ao artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição Federal, que estabelece: “Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.”
Na quarta-feira (26), a Primeira Turma do STF preferiu rejeitar o pedido de prisão de Aécio Neves formulado pela Procuradoria-Geral da República, decisão que abriu caminho para as discussões que ora tomam conta do Parlamento, ao mesmo que indignam uma sociedade cansada de tantos escândalos de corrupção.
É importante salientar que a prisão de Aécio Neves poderia ter sido decretada na esteira da gravação da conversa entre o senador tucano e o empresário Joesley Batista, ocasião em que o parlamentar cobrou R$ 2 milhões do dono da JBS, sob a promessa de embaralhar o andamento da Operação Lava-Jato no âmbito do Congresso. Com a divulgação do escândalo, Aécio alegou que o dinheiro, rotulado pelos investigadores como propina, era proveniente de um pedido de empréstimo para quitar honorários advocatícios.
Caso semelhante e menos rumoroso levou o então senador Delcídio Amaral à prisão, que foi autorizada de forma célere pelo Senado Federal. Um dos pilares da democracia é o tratamento isonômico dispensado aos cidadãos, algo pacificado na Constituição no caput do artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
A eventual decretação da prisão do senador Aécio Neves seria uma decisão à sombra da lei e beneficiaria sobremaneira as investigações sobre o escândalo envolvendo a JBS. No momento em que o STF rejeita o pedido de prisão e impõe medidas cautelares passiveis de questionamento, a discussão é inerente ao cenário turbulento que surge dos conflitos quase frequentes entre os Poderes.
Por outro lado, ao sugerir a possível violação da Constituição por parte do STF no caso de Aécio Neves, o presidente do Senado deveria exaltar o fato de que corrupção é crime e afronta em todas as frentes a democracia e a cidadania. Como vem alertando o UCHO.INFO, políticos agem de maneira corporativista e trabalham continuamente para manter o estado de coisas.
O caso passou a fermentar com mais rapidez porque o Palácio do Planalto agiu nos bastidores para que de alguma maneira Aécio Neves seja poupado, pois o senador mineiro é peça importante na estratégia do governo para barrar na Câmara dos Deputados a denúncia contra o presidente Michel Temer (obstrução à Justiça e organização criminosa).