Quem analisa os fatos políticos de maneira isolada não imagina a teia de maldades que os une. Nessa seara nada é por acaso e também inexistem inocentes. Afinal, tudo acontece de caso pensado e por algum interesse específico.
Na terça-feira (3), quando o plenário do Senado decidiu adiar a votação sobre o futuro político do senador Aécio Neves, o PSDB recebeu um duro recado do Palácio do Planalto. É melhor o tucanato pensar melhor sobre a atuação do partido no caso da segunda denúncia contra o presidente da República, Michel Temer.
A questão passa pela insistência do PSDB em pressionar o relator da denúncia na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), que na primeira denúncia votou a favor de Temer.
De olho na corrida presidencial do próximo ano, os tucanos entendem que a permanência de Bonifácio de Andrada como relator do caso pode causar danos eleitorais ao partido, como se o PSDB fosse uma reunião de políticos probos e bem intencionados.
Em vez de aspergir falso moralismo, pois a opinião pública já sabe quem é quem na política nacional, os tucanos deveriam se preocupar definir a situação de Aécio Neves dentro do próprio partido, que mesmo acusado de corrupção, com provas incontestáveis, continua como presidente licenciado da legenda.
Ademais, se a relatoria da denúncia contra o presidente da República incomoda o PSDB sobremaneira, a ponto de o partido fazer ameaças a Bonifácio de Andrada, a cúpula tucana deveria exigir que ministros de Estado filiados ao partido entreguem imediatamente os cargos que ocupam no governo.
O recado dados aos peessedebistas se materializou na decisão transferiu para o próximo dia 17 de outubro a definição sobre o afastamento de Aécio Neves do mandato. Se a votação tivesse ocorrido na terça-feira, como queriam alguns senadores, o plenário da Casa teria imposto sonora e dolorosa derrota ao PSDB, pois era grande e real a chance de o afastamento de Aécio ser confirmado, assim como as outras medidas cautelares impostas pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
Presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) operou com destreza para que a votação fosse adiada, mostrando ao PSDB que o melhor caminho é desistir do cabo de guerra instalado na CCJ da Câmara. Eunício disse, ao final da sessão, que o Senado permitiu que o STF reveja a decisão em relação ao senador mineiro.
Contudo, não há garanta de que o plenário do STF tomará decisão favorável ao tucano na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) impetrada em maio de 2016 em favor de Eduardo Cunha. A Adin questiona a constitucionalidade de medidas cautelares impostas pela Corte, algo que no entendimento da classe política depende de autorização do Congresso.
A questão é que o Código de Processo Penal (CPP) em seu artigo 319 prevê a aplicação de medidas cautelares a deputados e senadores, sem transferir ao Congresso a prerrogativa de autorizá-las previamente.
Por outro lado, a Constituição estabelece em seu artigo 53, parágrafo 2º, que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.
O caso de Aécio Neves não se encaixa no artigo 53 da Carta Magna, por isso nas medidas cautelares aplicadas pela Primeira Turma do STF não dependem de autorização do Senado. Porém, senadores estão abusando da interpretação de conveniência ao afirmar que o recolhimento domiciliar noturno assemelha-se à prisão domiciliar, o que não é verdade. Em suma, não havendo a decretação da prisão de Aécio, não há como invocar a Constituição para tentar salvar o senador tucano.