Catalunha: suspensão de independência estende tensão na região e aumenta incerteza

(Divulgação)

O aguardado discurso do chefe do governo da Catalunha, Carles Puigdemont, no Parlamento regional, em que declarou a independência catalã, mas cujos efeitos foram suspensos para abrir um processo de diálogo com Madrid, provocou leituras contraditórias e abriu brechas entre aliados.

Milhões de catalães, incluindo os mais próximos aliados políticos, esperavam que Puigdemont declarasse unilateralmente a independência da região, com efeitos imediatos e práticos, dando seguimento à vitória do “sim” no referendo de 1º de outubro, considerado ilegal pela Justiça espanhola.

Por outro lado, milhões de outros catalães e demais espanhóis esperavam que Carles Puigdemont renunciasse à independência, exigência do governo de Madrid, e convocasse eleições regionais antecipadas, como sugeriu o principal partido da oposição, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE).

Em seu pronunciamento, Puigdemont não fez nem uma coisa nem outra. No decorrer do discurso de quase meia hora, que mesclou o idioma catalão com espanhol, o líder disse que assume o “mandato do povo” para que a Catalunha seja um “Estado independente, sob a forma de república”.

A frase foi recebida com um aplauso no Parlamento regional e nas ruas de Barcelona, repletas de milhares de independentistas que se preparavam para celebrar o “dia histórico”. Contudo, na sequência, Puigdemont anunciou que ele próprio e o seu governo propunham que o parlamento “suspendesse os efeitos da declaração de independência” para empreender “um diálogo [com o governo em Madri], sem o qual é impossível alcançar uma solução acordada”.

O governo espanhol considerou inadmissível “fazer uma declaração de independência implícita para de imediato deixá-la em suspenso de forma explícita”.

Nesta quarta-feira (11), o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy ameaçou suspender a autonomia da Catalunha e pediu ao presidente do governo regional que esclareça se declarou ou não a independência.

“O Conselho de Ministros concordou em enviar um pedido formal ao governo da Generalitat [governo regional catalão] para que confirme se declarou a independência da Catalunha”, disse Rajoy, numa breve declaração transmitida pela televisão.


Rajoy voltou a ameaçar desencadear o processo de suspensão da autonomia, com a ativação do artigo 155 da Constituição espanhola, mas frisou que é preciso que o governo autônomo esclareça a sua posição para que Madri possa decidir que medidas tomar.

Esta foi a primeira vez que Rajoy mencionou abertamente que o artigo 155 será o próximo passo adotado pelo governo central caso as autoridades catalãs não recuem. O artigo em questão, nunca usado, prevê a suspensão da autonomia e dá ao governo central poderes para adotar “as medidas necessárias” para repor a legalidade.

Mais tarde, em comparecimento no Parlamento em Madrid, Rajoy descartou qualquer mediação num processo marcado “pela desobediência” e frisou que “não existe um país democrático do mundo” que tenha levado “minimamente a sério” o referendo realizado pelos catalães.

Recuo e sobrevivência

A decisão de Carles Puigdemont de suspender de chofre os efeitos da declaração unilateral de independência da Catalunha ganhou força nos últimos dias e não surpreendeu quem acompanhou o processo separatista com mais proximidade.

Em termos políticos, o anúncio de independência da Catalunha estava sacramentado e era considerado irreversível, mas a sobrevivência econômica da região levou à mudança de rumos. Após o resultado do referendo de 1º de outubro, quando apenas 43% dos eleitores catalães compareceram às urnas, grandes empresas sediadas na Catalunha anunciaram que deixariam a região diante da possibilidade de turbulências econômicas.

Responsável por 20% do PIB espanhol, a Catalunha ficaria isolada economicamente não apenas pela fuga de grandes companhias, mas principalmente porque a União Europeia anunciou, dias atrás, que não reconheceria a região como república independente, que, ato contínuo, ficaria de fora do bloco europeu.

De tal modo, entre ser acusado de frouxidão e levar a Catalunha à débâcle econômica, o que provocada sua derrocada política, Carles Puigdemont preferiu a ponderação. Com essa decisão, Madrid redobrou as forças e, mais uma vez, deverá manter a Catalunha como parte do Estado espanhol. (Com agências internacionais)

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