(*) Ucho Haddad
Um time de futebol cujo hino carrega letra de Lupicínio Rodrigues merece o respeito incondicional de qualquer apaixonado pelo esporte bretão, não importando se aqui ou acolá. Assim é o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, ou simplesmente Tricolor gaúcho, clube com história maiúscula no esporte verde-louro.
Campeão da América, o que não é pouca coisa, o Grêmio voou aos Emirados Árabes Unidos para, em mais uma final, não conquistar o título do Mundial de Clubes da FIFA diante do engrenado e invejável Real Madrid. Chegar à final de uma disputa como essa é tarefa para poucos e bons. E o Tricolor gaúcho é como tal e fez por merecer. Não é qualquer equipe que consegue tal feito, mesmo considerando que o Mundial de Clubes já não é como outrora. Perdeu o glamour e principalmente esmaeceu em termos de organização. Mesmo assim, um feito e tanto.
É preciso conhecer o Rio Grande do Sul e sua gente para compreender a postura altaneira do Grêmio e seus aficionados. Não se trata de soberba, mas de um jeito particular de existir de todo gaúcho. Apesar disso, levando em conta a trajetória do Tricolor dos pampas, é no mínimo condenável a postura do seu treinador, Renato Gaúcho, que, desde os tempos em que corria entre as quatro linhas, insiste em fazer da polêmica o seu maior talento.
Renato Gaúcho foi um jogador acima da média, gostem ou não os seus fãs, mas continua acreditando ter sido uma das mais positivas invenções do universo da bola. Tão prepotente quanto debochado – o deboche assimilou na vida à beira-mar – Gaúcho cometeu a ousadia de afirmar que Cristiano Ronaldo é dotado de força e desprovido de técnica. Fosse verdade essa profecia de camelô, mereceriam ser internados (talvez até fuzilados) todos aqueles que elegeram o avançado português em cinco ocasiões como o melhor jogador do planeta. Não obstante, CR7 marcou o gol que deu ao Real mais um título.
Deixando de lado o “Bola de Ouro” e focando no galáctico Real Madrid, não há como ignorar a equipe comandada por Zinedine Zidane. Afinal, uma equipe que tem Sérgio Ramos, Marcelo, Modric, Isco, Bale, Benzema e Cristiano Ronaldo não é o time da várzea mais próxima.
O treinador do Grêmio disse, antes da final do Mundial de Clubes, que ensinaria ao onze espanhol como jogar, mas essa declaração foi mais uma aberração discursiva de alguém que tem o DNA da polêmica e sequer respeita o argentar do próprio cabelo. Aceitem ou não os torcedores brasileiros, o Real Madrid tem um “dream team”, como mostraram os números da partida contra o Tricolor gaúcho. Superioridade incontestável que por obra e graça do guarda-meta gremista – e de seu anjo da guarda também – não foi traduzida em gols.
Mesmo sendo digna de críticas, a postura de Renato Gaúcho merece rasas doses de compreensão por parte daqueles que analisam o futebol com a devida e necessária parcimônia. Porém, pior mesmo foi ouvir narradores e comentaristas esportivos nacionais emitindo opiniões descabidas e fazendo comparações esdrúxulas. É fato que os patrocinadores sempre exigem uma “pegada” positiva nas transmissões, no melhor estilo “pra frente Brasil”, mas beira a sandice afirmar que Zidane e Gaúcho foram parelhos como jogadores. Tamanho absurdo permite pensar que algo errado existe por trás dessas acaloradas e nada transparentes transmissões.
Não se trata de ser morno nesse ou naquele assunto, mas torcer pela equipe que está a representar a nação é uma coisa, induzir o torcedor a erro é outra. E o que fizeram alguns narradores e comentaristas foi colocar Renato Gaúcho no panteão futebolístico, como se a história nada valesse.
Os mais desesperados com a superioridade do Real Madrid chegaram ao cúmulo de, em nova lufada de comentários apelativos e histriônicos, escrever nas redes sociais que a torcida feminina em favor da equipe espanhola era em decorrência da aludida beleza de Cristiano Ronaldo. Ao que se sabe, o Mundial de Clubes não é concurso de Mister Universo e a Arena de Abu Dhabi não foi erguida para ser passarela.
Não bastasse a ignorância devastadora rebocada pelos comentários, esse tipo de manifestação é típico de quem está a anos-luz da seara da argumentação lógica. Querer culpar a aparência física de CR7 pela torcida que o Real Madrid tem no Brasil é no mínimo caso para camisa de força.
Alguém há de dizer que o Grêmio era, lá nas Arábias, o Brasil de chuteiras. Não há duvida a respeito disso, mas, sob a orientação do prepotente Renato Gaúcho, o Tricolor, time de tantas glórias e impecável história, começou a partida tentando intimidar CR7, como se cravar a sola das chuteiras nas canelas alheias garantisse a conquista do certame. Isso é radiografia de um Brasil que fracassou por apostar em bazófias e pé de cabra para solucionar problemas.
O Grêmio foi aos Emirados “para o que desse e viesse”, até porque assim exalta um dos versos de Lupicínio Rodrigues. Os gremistas foram a Abu Dhabi – não a pé, como vaticinou Lupicínio –, provando que sempre estarão onde o Grêmio estiver. E assim conseguiram mais uma vez explicar o motivo de o Tricolor gaúcho ser tão grande e emblemático.
Querer vencer é uma coisa, alcançar o objetivo é outra. Em qualquer das situações, determinação e responsabilidade abrem caminho para o triunfo, que pode ser alcançado cedo ou tarde. Contudo, não será com desrespeito ao adversário que o Grêmio mostrará sua reconhecida grandeza. O feito do onze gaúcho poderia ser ainda maior não fosse a pequeneza torpe do treinador. Sem hesitar sequer, o Grêmio merece ser aplaudido de pé.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta e fotógrafo por devoção.