(*) Marli Gonçalves
Estou aqui. Assim vão indo as semanas. A 51, boa ideia, Natal. Na 52, acabou. Chegamos agora à antepenúltima, à quinquagésima deste ano esquisito demais da conta. Não que os últimos também não tenham sido, e bastante, mas esse nos mostrou claramente o limbo e a enorme mediocridade que enfrentamos, e o que nos deixa rezando para todos os santos ou energias para que tudo consiga um bom termo
Não sou muito boa nesse negócio de religião. Dizem que você tem de ter uma, mas eu capto várias, seja para sobreviver e me resguardar, seja para entender os desígnios que nos são impostos diariamente ou ainda as linhas do destino, como se traçam. Como se embaraçam também.
Mas, religiosamente, semana após semana estou aqui escrevendo, pondo no papel meus sentimentos mais verdadeiros, me expondo até um pouco demais nesse mundo cheio de divisões em duas partes, e que na maioria das vezes não me encaixo em nenhuma delas.
Esse ano mais uma vez escrevi sobre tudo. Não foi por falta de querer, mas não pude escapar da política nacional, essa que nos envenena os poros, e que permeia tudo com suas consequências tão fortes em nossas vidas. Que afeta nossos bolsos, nossos planos, nossos sonhos.
Tentei, vocês sabem, sempre dar algum toque bem humorado, uma ironia aqui, outra ali que escorrega enquanto a gente batuca as teclinhas. Houve semanas em que isso foi muito difícil, como as quando acompanhei os últimos dias do meu pai em um hospital, e quando contei com a companhia e a solidariedade de meus leitores com os quais compartilhei emoções – e fiquei muito mais forte e muito menos sozinha por isso.
No ano, em cada uma de suas semanas, como faço desde 2008, religiosamente, repito, acompanhei cada fato que se podia destacar no momento, temas que me deram vontade de escrever, fatos que fizeram nossos dias do ano, muitos aos quais, provavelmente, teremos de voltar no ano que vem, como a violência geral, a violência contra as mulheres, a violência dos debates de poder.
No radar, também os meus temas preferidos: liberdade, jornalismo, contra a censura, feminismo, sexualidade, direitos, a observação de para onde se descaminha a humanidade e a luta pela vontade de ter um país melhor, sem tanta hipocrisia.
Toda hora acabamos, eu e os que assim como eu têm brio na cara, coragem e a honra de ter os seus pensamentos e opiniões seguidos publicamente, de nos insurgir contra quem quer acabar com nossos direitos individuais, com a liberdade, com a sexualidade, com o inabalável e expressivo crescimento da força da mulher, ou tentando impor a censura e implodir de vez com a imprensa.
Com os artigos publicados em todo o país, de Norte a Sul, um monte de cantinhos a que jamais antes imaginaria chegar, cada leitor me motiva a mesma coisa: viver. Mesmo sob tantos trancos e barrancos. Falo “meus leitores” com gosto, porque tenho alguns invejáveis, seja por seus poderes e importância, por sua inteligência, ou pela clareza com que debatem comigo, mesmo quando não concordam com algumas posições, digamos, mais libertárias.
Enfrento, claro, muitas fúrias e xingamentos. Mas recebo muito mais forças, elogios, opiniões solidárias e agradecidas, respostas e confidências às quais agradeço diariamente a confiança que me é depositada, e que tento honrar em resposta às dezenas de mensagens que recebo toda semana.
Assim, religiosamente, com fé, mãos juntas, chamando todas as forças do Universo, quero desejar a todos vocês um fim de ano verdadeiramente sensacional e cheio de amor e paz. Fico aqui de plantão, alerta, como uma soldadinha, se necessário for, para preservar esse seu direito inabalável de ser feliz.
(*) Marli Gonçalves, jornalista – Isso é que é presente. Estar presente.
SP, véspera, Natal, 2017
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