Nunca foi possível ser imparcial diante de Alberto Dines

(*) Carlos Brickmann

Este não é um artigo imparcial. Nunca foi possível ser imparcial diante de Alberto Dines, o grande jornalista que acaba de nos deixar. Para quem o conheceu, era gostar ou detestar. Em ambos os casos, aprendia-se muito.

Tive a sorte de, sem cursar faculdade, ter excelentes professores a meu lado, tempo integral, exigindo-me apenas que aprendesse e retribuísse levando ao leitor o melhor trabalho possível. Sorte —só isso explica que eu pudesse ser instruído por Nahum Sirotski, Fernando Vieira de Melo, Ewaldo Dantas Ferreira, Rolf Kuntz, Murilo Felisberto. E Alberto Dines.

Dines dirigia o Jornal do Brasil, que na época disputava com O Estado de S. Paulo a posição de jornal mais influente do país (Folha e O Globo só cresceriam mais tarde). E garimpou na Folha um grupo de jornalistas muito jovens —eu ainda não tinha 20 anos— para sua sucursal paulista.

Éramos inexperientes; mas, disse Dines, importantes eram o talento e o tesão. Todos puderam aprender com os jornalistas daquela equipe excepcional —por exemplo, Fernando Gabeira, Carlos Lemos, Carlos Castello Branco.

Dines era o grande maestro e fazia com que todos formassem um time. Mandava mais na equipe e no noticiário do que o dono do jornal, Nascimento Brito. Discretamente, inovava: colocou uma TV no centro da redação. Era um lembrete de que o jornal não podia mais divulgar apenas a notícia, já que a notícia já chegara aos leitores pela TV (e com imagens em movimento!).

Era preciso buscar bastidores, analisar consequências, avaliar o fato, dar o que a TV não dava; para isso criou o Departamento de Pesquisa, chefiado por Murilo Felisberto (que mais tarde seria o criativo do Jornal da Tarde).

Mandar mais que o dono do jornal custou caro a Dines; desafiar ordens da ditadura militar, driblando censores e, se possível, expondo-os ao ridículo, custou mais caro ainda. O Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo bateram mais, mas com o apoio dos donos. Dines, sozinho na luta, incômodo para a cúpula do jornal, caiu.

E, mais uma vez, antecipou o futuro. Escreveu bons livros (“Vínculos de Fogo”, sobre a Inquisição no Brasil e em Portugal, com ampla pesquisa que o levou à Torre do Tombo, que guarda os arquivos do período; “Morte no Paraíso”, sobre vida e suicídio de Stefan Zweig, que julgava ser o Brasil o país do futuro; bem antes, já escrevera um capítulo de “Os Idos de Março e a Queda em Abril”, livro que saiu logo após a ascensão dos militares ao poder); deu aulas em Princeton; publicou uma notável coluna na Folha, o Jornal dos Jornais, uma impiedosa (e acuradíssima) análise do que se publicava nos jornais.

Foi na Folha que Dines liquidou o debate travado sobre a morte de Vladimir Herzog (havia grupos que defendiam a tese de que ele se matara inesperadamente). Dines afirmou, com toda a razão, que não havia o que discutir: ou ele tinha sido assassinado ou sofrido torturas tão bárbaras depois de ser preso que preferira se matar.

Nos dois casos —e não havia possibilidade de terceira hipótese— o Estado, que por lei é obrigado a garantir a segurança de seus presos e dar-lhes tratamento adequado, não cumpriu seus deveres. E, claro, não tomou nenhuma providência para encontrar os culpados.

Depois do Jornal dos Jornais, criou ainda o Observatório da Imprensa, na TV e pela internet. E, incansável, manteve a rotina de palestras e de aulas.

No início deste artigo, eu disse que Dines nos deixou. Errei: embora vá descansar no Cemitério Israelita do Embu, ele continua conosco. Pois uma pessoa não morre enquanto vive a sua memória.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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