(*) Rizzatto Nunes
Já que a Copa do Mundo está começando, vou também falar um pouco de futebol.
Meu amigo Outrem Ego, sempre nostálgico das coisas boas do planeta, disse que ia aos campos de futebol quando garoto, “num tempo de um certo amor amador”. Ele disse que “até alguns jogadores amavam seus clubes” e lembrou do maior de todos, Pelé, que ficou no Santos até o fim: de 1956 até 1974. “Só depois de aposentado”, disse, “aos 34 anos, é que decidiu ir ao New York Cosmos, nos Estados Unidos da América do Norte, uma espécie de prêmio de aposentadoria”.
Será que esse romantismo realmente existiu?
Não sei, mas o que se pode verificar é que, hoje, não existe mesmo. O que vale são transações comerciais milionárias, negócios de todo tipo e, inclusive, com enorme poder sobre os governos.
O futebol, na atualidade, é um dos maiores negócios do mundo. Adotando os modelos das grandes corporações da sociedade capitalista contemporânea, os cartolas conseguiram criar um modelo de oferta de entretenimento altamente rentável.
Seus métodos são os mesmos utilizados no mercado para a produção, distribuição e venda de produtos e serviços. Veja, meu caro leitor, um exemplo: o desenho dos formatos dos vários tipos de competições existentes. A disputa entre os times é mais ou menos sem fim. Todos concorrem a alguma vaga, ou no grupo dos 4 ou dos 8 de cima ou dos 4 ou dos 8 de baixo e, mesmo não vencendo, conseguem se classificar para outras competições ou, pelo menos, não são rebaixados. E, até nas competições de baixo, a disputa segue o mesmo padrão etc. Tudo a fazer com que os consumidores, isto é, os torcedores, fiquem praticamente o tempo todo do ano ligados nos jogos de seu time, num espetáculo sem fim, cujo objetivo maior é faturar.
Um outro exemplo, mais triste: a corrupção!
A Fifa e as Confederações locais, ou melhor, os dirigentes dessas entidades, fazem negócios escusos pelo mundo afora. Nem preciso me alongar por aqui, na medida em que vários ex-dirigentes estão processados e/ou presos por conta das falcatruas descobertas. O pior é que as ações criminosas desses dirigentes causam danos às pessoas dos países em que os torneios são realizados, como se vê nos casos de superfaturamentos nas construções dos estádios da Copa do Mundo do Brasil de 2014.
Aliás, desde que a Fifa tornou-se de fato uma grande empresa internacional, os abusos não pararam. O problema está, em parte, no modelo. Infelizmente, meu caro leitor, quase tudo que se apropria do modo de produção capitalista contemporâneo e seus modelos de controle, invasão, corrupção, enganação, apodrece. Grande parte dos empresários desses tempos globalizados é gananciosa e só visa ao lucro, custe o que custar. Como já referi várias vezes, sua arma de ataque para a tomada do mercado – esse bem que não lhe pertence – é o marketing, cuja ponta de lança é a publicidade.
E, esse império materialista do mercado, com sua grande mão invisível e também visível, absorveu praticamente todo o corpo social, acabando por imiscuir-se em setores antes imunes. Veja o exemplo dos esportes ditos amadores: A Olimpíada é, atualmente, um enorme negócio. E, claro, do futebol nem preciso repetir, porque faz muito tempo que a organização, local ou internacional, tem como meta o faturamento. A propósito, a Fifa, hoje, funciona como uma grande empresa franqueadora e licenciadora de produtos e serviços.
Como também já referi e foi dito por Octávio Paz, “o mercado sabe tudo sobre preços, nada sobre valores”. É fatal: neste capitalismo deve haver resultado financeiro, não importando se o produto é bom, se funciona adequadamente, se as promessas da publicidade serão cumpridas. O que vale é a meta. E, nesse sentido, a Fifa tem um poder só comparado às grandes corporações do planeta. Ela consegue impor a governos e nações seus interesses, seus modelos, seus estádios. Ela consegue determinar quanto de gasto os países farão em prol dela, isto é, em prol de seu faturamento crescente. E isso, mesmo que as populações locais estivessem precisando de outros bens.
Claro que, tudo isso é feito com muito marketing e moderna publicidade, mexendo com a paixão dos torcedores, fazendo com que eles acreditem que o resultado de um jogo ou de um campeonato resolverá muitos problemas e que trará orgulho e benefícios à nação. Tudo muito moderno, com tecnologia de ponta e seus atualizados sistemas de vendas.
A Copa do Mundo de Futebol, além de um grande espetáculo, é, de fato, um enorme negócio que envolve bilhões de dólares. Está em jogo um grande lucro dos empresários envolvidos no negócio, financiados pelos patrocinadores, afetando os meios de comunicação televisivos, os fabricantes de roupas e calçados, os editores, etc.
(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.