(*) Ucho Haddad
Diferentemente dos tempos dourados da bola, o futebol ainda guarda algumas nesgas da essência do esporte, mas há muito transformou-se em misto de negócio bilionário com jogadas sucessivas de marketing. O que é triste e desanimador para quem conheceu o esporte bretão nos tempos áureos.
Quando Neymar Jr. trocou o FC Barcelona pelo Paris Saint-Germain apenas porque não mais conseguia viver à sombra de Messi e Suárez, acreditando que um novo clube lhe proporcionaria a chance de transformar em realidade o sonho de ser o melhor jogador do planeta, não pensei duas vezes antes de afirmar que o atacante brasileiro deveria repensar seus planos, pois arrogância na França é senha para o insucesso.
Reconheço sem delongas que a chegada de Neymar ao PSG emprestou ao futebol francês uma dose de glamour, mas isso não pode ser confundido com passaporte para o reinado. Longe de ser o povo mais simpático e receptivo, o francês sabe ser cruel quando a missão é isolar o próximo. E Neymar experimentou tal situação algumas vezes em pouco tempo na bela e charmosa Paris.
Há quem diga que dinheiro não traz felicidade, mas, além de pagar contas em dia, arruma confusão e problema a torto e direito. Neymar tem dinheiro de sobra para ele e mais algumas gerações, mas essa abundância financeira subiu-lhe à cabeça. E o jogador continua acreditando que pode tudo e mais um pouco, certo de que a vida roda no ritmo da cornucópia.
Tão jovem quanto deslumbrado, Neymar crê que seu futebol é insuperável, mas as últimas semanas mostraram que não é bem assim. Em determinadas situações, uma boa e engraxada chuteira com um confortável divã do analista mais próximo podem produzir resultado. Talvez Neymar devesse pensar nesse binômio como forma de amainar sua arrogância.
No primeiro momento que o vi jogar, ainda no gramado da Vila Belmiro, afirmei que se tratava de um jogador acima da média. O tempo passou e não mudei de opinião, mas me permiti a um “upgrade” no pensamento: Neymar é um jogador bem acima da média, nada além disso. Mesmo assim, respeito o contraditório.
O avanço da idade traz algumas situações esperadas, vez por outra quase desagradáveis, mas todas recompensadas por experiência e momentos inenarráveis e que não voltam mais. Tive o prazer e o privilégio de ver em campo alguns gênios do futebol, como Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, cuja intimidade com que tratava a bola chegava a ser afrontosa. E quem viu Pelé jogar sabe que Neymar é mero aprendiz de feiticeiro.
Se hoje Pelé tivesse os mesmos 26 anos de Neymar, o atacante do PSG seria nada ou menos do que isso. Mas no entorno de Neymar há um plano de marketing tão acintoso e milionário, que a maior parte da opinião pública acredita estar diante do derradeiro mago da bola. Até mesmo veteranos jornalistas esportivos acreditam nessa bizarrice. Tanto é assim, que muitos desses profissionais da comunicação afirmavam, antes da Copa da Rússia, que a seleção brasileira era Neymar e mais dez. Hoje mudaram de opinião sem cerimônia, até porque o brasileiro tem memória curta e não tem coragem de assumir o que diz.
Ao ouvir tamanha sandice, pensei em voz alta: a seleção tropeçará na Rússia. Confesso, como tantas vezes já fiz publicamente, torço contra a seleção brasileira desde a Copa de 1982, ocasião em que descobri a podridão que impera nos bastidores tupiniquins da bola. Por outro lado, torço contra porque não sou patriota a cada quatro anos, mas, sim, todos os dias, todos os anos, o tempo todo. E na Copa da Rússia mais uma vez torci contra, pois não nasci com vocação para arlequim de aluguel.
O homem é reflexo imediato do próprio meio. E Neymar não é diferente. Apesar de contar com um staff régia e nababescamente remunerado – que deve bater palmas ao jogador como um eunuco que abana continuamente seu senhor – Neymar não ouve uma pessoa sequer. Faz o que dá na telha, a despeito do que foi planejado e do que está apalavrado ou do que consta em contratos. Na melhor das hipóteses e ao final das contas, ouve seu pai e dublê de empresário, o que não é a melhor das receitas.
O jogador rumou à Rússia acompanhado de um entourage de dezenas de pessoas, apostando que deixaria a mais importante competição futebolística da Terra com a coroa de louros sobre a cabeça. Assessores dos mais variados naipes, familiares e mais alguns quejandos viram Neymar deixar a outrora terra dos czares na condição de fiasco da Copa e inspiração para milhares de memes que fizeram a festa na rede mundial de computadores. Isso porque suas repetidas e melodramáticas quedas em campo transformaram-se em alvo de piadas.
Dos familiares dos 23 jogadores da seleção brasileira, apenas os de Neymar, juntamente com alguns poucos assessores, ficaram hospedados no hotel reservado pela CBF em Sochi. As famílias dos outros atletas, por determinação da direção da CBF, ficaram em hotel próximo, em uma marina da cidade.
Tal quadro mostra que a seleção verde-loura foi à Rússia na condição de refém de Neymar, submetendo-se às ordens do pai do jogador e de seu staff. Em suma, a seleção fracassou não apenas porque o futebol nacional está desatualizado, mas porque desconhece o mais raso significado de governança e não teve coragem de impor limites a Neymar e sua trupe.
O ainda jogador do PSG sabe que precisa mudar e até ensaia alguns passos na direção da mudança, mas acaba desistindo porque não tem disposição para tanto. A situação torna-se ainda mais difícil porque terá de conviver com o francês Kylian Mbappé, campeão do mundo e eleito o melhor jogador jovem da Copa da Rússia. E com chances concretas de ser o melhor do planeta.
No leilão beneficente que realizou recentemente na capital paulista, Neymar fez sua primeira aparição pública após o fiasco na Rússia. Dando mostras de que havia se submetido a um media training, o jogador foi comedido nas declarações e evitou o jeito malandro e debochado, chegando a responder de forma simpática quando perguntado sobre a fama de “cai-cai” e os memes. Reação idêntica teve seu pai e empresário, que em entrevista a jornalistas durante o evento tratou com bom humor as críticas direcionadas ao filho durante a Copa.
Neymar, ao que parece, não mais quer saber de futebol, mas continua jogando futebol porque deseja conquistar o título de melhor do mundo e engrossar a sua fortuna. Mas a primeira etapa do plano pode não acontecer se sua postura não mudar rápida e radicalmente. Diz a sabedoria popular que o fruto não cai longe da árvore. Em outras palavras, o cidadão é aquilo que aprende no seio familiar. E Neymar age e reage de acordo com aquilo que aprendeu – e ainda aprende – em casa.
Na Rússia, familiares de jogadores reclamaram que Neymar pai teria dado uma festa no hotel da seleção após a partida contra a Suíça. Uma repórter da Folha, Camila Mattoso, resolveu apurar o fato, mas foi destratada pelo pai do jogador, que em alguns momentos valeu-se de tom ameaçador. “A festa que eu fiz foi com a sua mãe”, respondeu o pai do jogador, ofendendo a jornalista.
Não há como afirmar que a tal festa realmente aconteceu, mas algumas pessoas garantem que viram mulheres entrando na suíte de Neymar pai, o todo-poderoso que não apenas ofendeu a repórter, mas teria ameaçado integrantes da equipe técnica da seleção, como Edu Gaspar.
Nesse enredo típico de casa de alterne, Neymar não poderia sair da Rússia como o czar do futebol. De igual modo, o jogador do PSG não poderia constar da lista dos dez melhores futebolistas do planeta, pois isso seria premiar um projeto que intimida jornalistas que não fazem parte do esquema e afronta árbitros de futebol que não caem na esparrela do camisa 10 da seleção.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.