Verdadeiro atentado à gramática, a proposta de plano de governo do candidato Jair Bolsonaro é patética. Marcada pela incoerência em muitos pontos, não passa de um panfleto eleitoral que serve apenas para agradar a seita em que se transformou a reunião dos seus intolerantes seguidores.
Vergonhosamente mal escrito, o tal documento seria objeto de chacota fosse um trabalho de conclusão de curso universitário. E Bolsonaro certamente seria reprovado, tamanha é a falta de clareza em muitos dos tópicos elencados, apesar de alguns aduladores já terem afirmado que a proposta é coerente, mesmo que incoerente seja.
Logo na primeira página da proposta está grafada uma citação bíblica (“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” – João 8:32), algo que merece ser discutido, pois um candidato a presidente deveria saber que o Estado é laico. Se eleito, Bolsonaro governará para todos, não apenas para os evangélicos.
Ainda na primeira página, o candidato – talvez o seu ignaro escriba de aluguel – inicia o documento com “caminho da prosperidade”, mas em nenhum ponto da proposta está claro como é possível alcançar esse sonho dourado. Há quem diga que esse viés evasivo é proposital, pois Bolsonaro não quer se comprometer. Um péssimo começo para quem ousa se apresentar como o único capaz de resolver os problemas do País.
Em seguida, a proposta cita “Um Brasil de diversas opiniões, cores e orientações”. Para quem está no Brasil pela primeira vez e por um descuido qualquer encontra a proposta de governo de Bolsonaro, há de acreditar que o brasileiro é um povo de sorte. Contudo, desconhece que essa é apenas uma frase de efeito, pois diversidade de opinião para Jair Bolsonaro vale até a página dois, se tanto. Prova disso é a intolerância que ele próprio prega nas redes sociais através de seus contratados, que disparam ofensas contra aqueles que o criticam.
Em relação à diversidade de orientações, Bolsonaro não é a pessoa mais indicada para tratar do tema. Disse certa feita o candidato, durante discussão com Preta Gil, que não corria o risco de ter filhos gays, pois seus filhos tiveram boa educação e pai presente. Não obstante, Bolsonaro, durante protesto na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, exibiu aos manifestantes cartaz com a inscrição “queimar rosca todo dia”.
Mas a hipocrisia que Jair Bolsonaro destila no seu plano de governo parece não ter fim. “Escolhas erradas ou tropeços fazem parte da vida. Ajudar o próximo a se levantar nos diferencia como humanos”, destaca o documento, mas não se pode esquecer que Bolsonaro é fã incondicional de torturadores, assim como seu candidato a vice.
No parágrafo seguinte, Bolsonaro deixa claro que na sua casa há carência de espelho ou ele está sem tempo – ou sem coragem, talvez – para olhar para si próprio. “Uma Nação fraterna e humana, com menos excluídos, é mais forte. Há menos espaço para populistas e suas mentiras”. Quem é Bolsonaro para criticar o populismo e condenar mentiras?
No tópico seguinte o plano de governo de Bolsonaro trata do tema “Imprensa Livre e Independente”, mas o assunto fica na primeira linha, pois acaba migrando para liberdade política, religiosa, busca da felicidade e outros que tais. Nesse item o programa destaca que o candidato defende a liberdade de pensamento e de opinião, desde que nada seja contra ele. Hugo Chávez e Nicolás Maduro começaram assim.
O presidenciável do PSL aborda o liberalismo econômico, apesar da sua conhecida postura estatizante. E nesse ponto reside a dúvida sobre em quem confiar: o Bolsonaro do passado ou o do programa de governo, que depende literalmente do economista Paulo Guedes, já anunciado como ministro da Fazenda, caso o candidato seja eleito. Mas é preciso considerar que tudo na vida é passageiro, inclusive Paulo Guedes. E se o economista passar, como ficará o Brasil?
O programa enfatiza o desajuste fiscal, mas não revela como enfrentá-lo. Sequer propõe caminhos para resolver o problema, começando pela reforma da Previdência, o corte de gastos, a redução da máquina estatal e outros pontos críticos da dura realidade do Estado.
Frases prontas e de efeito são uma das marcas do documento. Eis uma delas: “Um governo que confia nos brasileiros”. Mesmo assim, Bolsonaro disse que “há muitos bandidos, muitos, no SPC”. Qual pensamento de Bolsonaro vale de fato? O do debate da Band ou o grafado no programa de governo?
O presidenciável ressalta que facilitar o comércio internacional será uma das medidas para retomar o bom desempenho da economia nacional, como se isso fosse tão simples quanto acender a luz da sala, que exige apenas disposição para acionar o interruptor.
Em relação à saúde pública, Bolsonaro insiste na fórmula mágica da saúde bucal das gestantes, que de fato ajuda a evitar o nascimento de prematuros, mas não resolve os problemas do setor. Colocar esse assunto como uma das prioridades em um programa de governo revela o despreparo de um candidato que continua afirmando ser a única solução.
Sobre a segurança pública, a receita para combater a criminalidade é a mesma de sempre: mudar o estatuto do desarmamento e transformar o Brasil em um faroeste a céu aberto. Isso porque o genial Jair Bolsonaro defende a tese de que todo cidadão tem o direito de portar uma arma fogo para reagir à ação do bandido, um profissional do crime. Se o enfrentamento com forças policiais, que recebem treinamento para esse tipo de ação, não produziu resultado algum ao longo de décadas, não é difícil imaginar o que acontecerá no País com milhões de cidadãos com armas na cintura.
Também em relação à segurança pública, Bolsonaro defende a tese de que o melhor é prender e deixar o criminoso na cadeia. É o que consta do programa de governo. Alguém precisa avisá-lo que no Brasil há leis e que mudá-las depende de não apenas da sua vontade, mas de um processo longo e demorado e, acima de tudo, do apoio do Congresso Nacional. Ademais, no momento em que o Estado chama para si o direito de prender, julgar e condenar, ao mesmo tempo assume a responsabilidade de recuperar o preso.
Como não poderia deixar de ser, Bolsonaro desanca para o lado da esquerda, disparando críticas de todos os naipes ao PT e seus puxadinhos ideológicos. Pelo que se sabe, temas ideológicos não cabem em programas de governo, mas como essa é a única bandeira de Bolsonaro, deixar esse assunto de lado seria desagradar seus seguidores. A assessoria do candidato deveria alertá-lo para o fato de que, caso eleito, terá de governar para todos os brasileiros, inclusive para os esquerdistas, os petistas, os comunistas, os socialistas, gostando ou não.