(*) Marli Gonçalves
Bem mesmo fez um amigo meu, grande articulista e cronista. Tirou férias. Largou a caneta, não está batucando nas pretinhas, saiu fora, só volta depois das eleições e isso só depois do segundo turno. Ele tem lá suas razões pessoais, mas na geral a coisa está difícil. Não quero brigar com ninguém – até porque, acreditem, nenhum desses que nos disputam vale qualquer aborrecimento
Como vocês estão se virando nesse tempo estranho que estamos passando? Como têm mantido a paz com quem se relacionam? Tenho ficado bem quietinha aqui no meu canto. Redes sociais, leio tudo, tenho conhecidos e amigos do mais amplo espectro da política, que nunca fui de misturar opinião política e amizade por ser uma combinação explosiva.
Não opino. Mas leio. E nunca li tantas bobagens, conspirações, mentiras, argumentos vergonhosos, comentários vis, absurdos, como agora, vindo de todos os lados. Nem naquele tempo. Mas na época não tinha tantas redes sociais, tanto entrelaçamento. Nem tanto ódio entre as pessoas. Estávamos praticamente todos no mesmo campo de batalha.
Eu temia isso, e o que eu temia aconteceu. Outro dia sai e encontrei queridos amigos, verdadeiramente, pessoas que conheço das priscas eras quando também eu acreditei em certos líderes que queriam mudar o país, melhorar as desigualdades, proteger os trabalhadores, que juravam ética e luta pelo bem-estar dos cidadãos num país rico, orgulhoso, em crescimento, e principalmente em sintonia com o mundo cada vez mais globalizado. O sonho. O Éden.
(Só para esclarecer: participei da fundação do PT, de onde me mandei logo que os primeiros sinais de desvio apareceram e não demoraram muito, fui da Anistia, participei de movimento estudantil – enfim, minha ficha na vida e no DOPS é grande: sou do Bem! Mas não sou do A nem do B, e acho mesmo que não estamos com sorte para escolher dessa lista.)
Tudo ia correndo bem na conversa até que as quatro letrinhas apareceram: L-u-l-a. Do nada, ouvi pasma uma declaração romântica, apaixonada, cega, religiosa, de uma fé absurda, seja nele, seja aliás em qualquer outro ser humano, já que todos viemos ao mundo com fortes defeitos de fábrica. Meus olhos que já são grandes aumentaram. Minha boca secou. E agora? Minha opinião seria a última coisa que gostariam de ouvir naquele momento e de nada mudaria – só criaria uma tensão desnecessária. Se o povo não mudou até agora, após dois processos gigantescos e rumorosos, mensalão, Lava Jato, julgado e rejulgado, listas de petistas presos ou em vias de, gravações, marcas de batom em malas, bolsinhas, cuecas e calcinhas não vou ser eu a reorientá-los, modestamente falando. Nem quero, não adiantaria mesmo.
Me fiz de morta, de Cleópatra, e sai andando, como se nada tivesse escutado. Feliz porque acho que consegui controlar as emoções do meu rosto, que transparecem com muita facilidade.
Mas descobri o que acontece: ficam tanto tempo caçando tucanos, essa espécie já tão démodé, que não veem que o inimigo – de todos, o pior, antiquado e inadequado, o mais perigoso, velho de ideias e ações, ventríloquo de milico – é o lado para o qual deviam ser apontadas todas as forças contrárias. Obrigação de todos nós, que estudamos; é um dever que temos.
Só que não quero magoar e perder amigos. Principalmente os que tendem para o lado esquerdo do coração; os que acham que o Bolsonaro é solução já não faço tanta questão de manter, se vierem para cima de mim – aliás, tenho tido de decepar uns e outros. Desculpem, mas a ignorância mata. Já matou e feriu muita gente minha.
Para terminar: eleições passam. Mas pelo menos em minha memória ficarão bem claras a índole e a lista dos que para se sentirem em cima da carne seca comemoram a morte de pessoas e empresas, jornalistas que atacam a… imprensa! especialmente porque nela não têm ou tiveram lugar, e os que fazem de conta que não estão ganhando nada para passar o dia inteirinho no bombardeio.
(*) Marli Gonçalves, jornalista – Mais não falo. Mas estarei sempre pronta para me defender e aos meus.
Brasil, triste 2018
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