(*) Rizzatto Nunes
As promessas do candidato Ciro Gomes de que, se eleito, liberaria mais de 60 milhões de brasileiros que estão negativados nos serviços de proteção ao crédito deu o que falar. Mas, seria viável do ponto de vista do sistema de consumo estabelecido?
É o que respondo na sequência.
Bem, incialmente, já que estou falando de campanha política dos presidenciáveis e de direito do consumidor, quero lembrar que, de todos, o mais ligado aos direitos dos consumidores é o candidato Geraldo Alckmin, que é um dos principais responsáveis pela existência da Lei. Como se sabe, o Código de Defesa do Consumidor, isto é, a Lei 8078/90, nasceu do projeto de Lei de 1988 de autoria do então Deputado Federal Geraldo Alckmin.
Quanto à proposta do candidato Ciro, penso que ela não se sustenta, pelos seguintes motivos.
1) Boa parte dos inadimplentes que estão negativados podem já, neste instante, hoje mesmo, fechar composições amigáveis com os credores em condições favoráveis iguais ou melhores que as prometidas. Os bancos, por exemplo, em relação aos devedores que não possuem bens nem deram garantias (o que representa uma enorme parcela dos negativados) oferecem enormes descontos e parcelamentos bastante facilitados. Aliás, oferecem o tempo todo, mesmo que o devedor não peça.
2) Veja, caro leitor, o descalabro: no Brasil, praticamente metade dos devedores, são superendividados. São cerca de 30 milhões de pessoas . Um mero acordo não resolve o problema deles. É necessário muito mais: educação, planejamento financeiro, mudança de estilo de vida e de consumo etc. Cada caso tem peculiaridades próprias.
3) Agora pergunto: por que, afinal, os devedores não aceitam as propostas vantajosas que já existem? Tudo indica que a maior parte não aceita porque não tem condições de pagar de qualquer modo. Logo, nenhuma oferta resolveria o problema desses devedores.
4) Assim, a proposta do candidato de pagar essas dívidas (com grandes ou pequenos descontos) e fazer refinanciamento, pode, simplesmente, fazer com que o devedor troque de credor: antes era o banco A, agora é o banco público X. Ele continuará sem pagar, pois o problema dele é outro (como mostro na sequência).
5) Além disso, lembro que a lei garante que, sempre que o consumidor inadimplente feche acordo com o credor para quitar sua dívida à vista ou a prazo, ele pode exigir que seu nome seja retirado do serviço de proteção ao crédito. Já é assim.
6) O problema é mais profundo. Diz respeito à falta de educação financeira e – simultaneamente ou não – da incapacidade de resistir ao assédio das ofertas turbinadas pelo marketing da sociedade de consumo.
7) Naturalmente, estão fora desse quadro todos aqueles que se endividaram por situações que fugiram ao controle, tais como perda de emprego, acidentes com a própria pessoa ou familiares próximos, doenças, do mesmo modo com a própria pessoa ou com seus familiares próximos, golpes sofridos com negócios etc. Há um bom número de pessoas nessa situação.
8) Retornando ao problema. Falta necessariamente capacidade para administrar as finanças controlando os gastos, optando pelas melhores e mais baratas formas de financiamento, deixando de comprar o supérfluo etc. Falta, pois, educação para o consumo. Educação financeira e planejada. Algo que pode e deve começar logo cedo com crianças e adolescentes e ser constante na vida adulta.
9) Existem manuais e aulas sendo oferecidos no mercado por associações de defesa do consumidor e até pelos Procons e bancos. Algo já implantado e que pode ser ampliado. Por exemplo, o Procon do Estado de São Paulo tem um Programa de Apoio ao Superendividado feito em conjunto com o Tribunal de Justiça de São Paulo, com inscrições online neste endereço: http://www.procon.sp.gov.br/categoria.asp?id=573.
10) Tudo indica que a solução é a educação para o consumo. Nada além disso. Até porque a experiência mostra que a negativação do consumidor não é um mal em si. Muitas vezes, é a negativação do consumidor que evita que ele afunde mais ainda em suas dívidas. Não nos esqueçamos de que a negativação é um bloqueio às compras. E se o consumidor não consegue evitar que suas dívidas aumentem, ela pode ser de grande valia, pois impede que a situação se deteriore ainda mais. Repito: simplesmente retirar o nome dos órgãos de proteção ao consumidor sem que ele possa realmente quitar suas dívidas (à vista ou a prazo) e sem que ele aprenda a se organizar para as compras futuras é trocar seis por meia dúzia. Ele trocará de credor e brevemente voltará ao cadastro de inadimplentes. Simples assim.
(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.