(*) Ucho Haddad
“Um radical é um homem com os pés firmemente plantados no ar.” (Franklin Delano Roosevelt)
Promulgada em 5 de outubro de 1988, a Carta Magna brasileira está perto de completar 30 anos, mas a democracia verde-loura volta a viver tempos de obscuridade, como se estivéssemos a fechar os olhos para fatos que marcaram a nossa história recente. Do totalitarismo truculento que marcou a era plúmbea às reticências devastadoras do mais ousado escândalo de corrupção de todos os tempos, nada pode ser esquecido. A redemocratização aconteceu outro dia, mas há quem queira colocar tudo a perder.
O brasileiro, que na sua maiúscula maioria sequer compreende, em “lato sensu”, o significado de democracia, demonstra não saber a quem entregar o futuro do País. É o que revelam as pesquisas de opinião sobre a corrida presidencial. Alguns creem que é possível apostar em um franco atirador, outro sonham com a reedição do caos.
Após a mais grave crise econômica e ética levar o País às cordas, o mínimo que se poderia esperar era que o bom senso e a responsabilidade servissem como amálgama do recomeço. Ao contrário, a polarização aponta para o equívoco, para o preâmbulo de uma derrocada tão indesejável quanto temida. Os dotados de boa memória reconhecem de pronto o perigo em um cenário que está a ser vendido aos incautos como solução milagrosa.
Ainda jovem, a democracia brasileira tem a percorrer o longo e sinuoso caminho da maturidade, que talvez não tenha fim, mas não se pode dar de ombros diante da cautela apenas porque a preguiça política é preponderante entre os aqui nascidos.
Permitir que a democracia cambaleie rotineiramente à beira do abismo é colocar em risco permanente o que custou muito para conquistar, para reconquistar. Viver em democracia é bom, mas o alto preço deve ser pago por todos. O preço é a eterna vigilância, recompensada com a liberdade. Só quem perdeu-a sabe o quanto vale e o quão caro é reconquistá-la. Por isso qualquer ínfima ameaça deve ser rechaçada de chofre e sem titubeios.
Depois de pouco mais de uma década de populismo esquerdista mesclado com banditismo político, Lula planeja fantasiosamente retornar ao poder, ciente de que está inelegível por ter sido condenado (e preso) por corrupção e lavagem de dinheiro. Ao insistir teimosa e burramente na sua impossível candidatura, Lula coloca o Brasil na fila da vergonha, uma vez que não cessa a avalanche de indignação, planeta afora, diante do ineditismo de um candidato preso que lidera as pesquisas de opinião.
A esquerda nacional alega que a liderança de Lula nas pesquisas eleitorais é fruto do bem que ele fez aos mais pobres e desvalidos no período em que esteve na Presidência da República. Esse discurso é uma ode ao delírio, pois Lula, além de cuidar dos preparativos para mandar a economia nacional pelos ares, arruinou a vida dos brasileiros como um todo, sem distinção de classes, exceto a dos corruptos que circulavam nos imundos subterrâneos dos governos petistas.
Misto de populista incorrigível com animal político, Lula abusou da retórica anestesiante para ludibriar os menos informados e os tomados pela cegueira ideológica. Enquanto avançava de maneira criminosa sobre o Estado, enganava a opinião pública com discursos inflamados, promessas absurdas, medidas econômicas estapafúrdias. Comunicava-se com a camada mais pobre da população com tanta intimidade e destreza, que todas as suas mentiras ecoavam como verdades perenes, a ponto de fazer inveja ao nazista Joseph Goebbels.
Após a pantomima bandoleira que encenou em pouco mais de uma década, Lula está a fazer nos dias atuais o que fez na eleição de 2002, a primeira vitoriosa: prometendo ações miraculosas para tirar o brasileiro da vala da crise. A única diferença entre uma situação e outra é que agora o sol, ao nascer, tem se apresentado ao petista de forma geometricamente distinta. De resto, o espetáculo de mitomania é o mesmo de sempre.
Como antídoto à chaga representada por Lula e seus penduricalhos ideológicos, surgiu na cena eleitoral brasileira um fascista que passou 28 anos no Parlamento sem nada produzir em prol da sociedade, mas conquistou adeptos à sombra de declarações polêmicas, muitas delas racistas, homofóbicas, misóginas, essencialmente discriminatórias. Jair Bolsonaro rejeita os rótulos conseguidos no vácuo de seus conhecidos destampatórios, mas é impossível não reconhecer o binômio causa e efeito.
Aproveitando o amplo descontentamento de boa parte do eleitorado com a atual situação do País, Bolsonaro fermentou o discurso do “bate e arrebenta” que carrega desde os tempos da caserna, logo transformado em ponta de lança para eliminar a esquerda da cena política. Tanto é assim, que em seu programa de governo e em muitos dos seus descabidos e descontrolados discursos a eliminação da esquerda é tratada como meta primordial.
Para aqueles que conhecem o mais raso significado de democracia, Bolsonaro está a sinalizar com um insurreto convite à ditadura de direita, pifiamente camuflado através do mimetismo decrépito de quem tenta se apresentar como um coquetel de político liberal com salvador da pátria. O brasileiro só perceberá que é tarde demais após consumado o desastre. Assim como na Divina Comédia, de Dante Alighieri, que à porta do “Inferno” exibia a inscrição “Ó, vós que entrais, abandonai toda a esperança”.
A exemplo dos que o louvaminham noite e dia, Bolsonaro existe debaixo de um pensamento tosco e binário, que o obriga a impor sua opinião à base da intimidação. Isso explica suas desastrosas participações em entrevistas e debates, que só agrada à sua ensandecida e utópica claque.
Dizia o jornalista e escritor italiano Alberto Moravia, “a ditadura é um estado em que todos temem alguém”. É nessa fórmula pífia e repugnante que o candidato ultradireitista aposta para vencer a eleição e tomar as rédeas do poder, levando o País a retroceder no tempo e a sentir o cheiro nauseabundo do totalitarismo.
No tocante à segurança pública, assunto que preocupa sobremaneira a população do País, Jair Bolsonaro mostra que seu raciocínio é trôpego ao afirmar que violência deve ser combatida com mais violência, mesmo que pessoas inocentes tombem em meio às balas perdidas.
O candidato atropela o universo dos sofismas, sem qualquer cerimônia, ao dizer que o cidadão comum tem o direito de enfrentar o criminoso em igualdade de condições, portanto precisa estar armado. Eis uma das soluções para conter a escalada da criminalidade. Cria-se um “faroeste caboclo” porque o candidato acredita que o profissional do crime passará a temer a vítima armada.
Bolsonaro tem muitos pré-conceitos – na maioria preconceituosos –, alguns dos quais aterrissaram na Corte Suprema, pois é avesso à contradita e rejeita o modus vivendi alheio. Isso desmonta o falso bom-mocismo que vem exalando para tentar convencer o eleitorado de que aceita quase tudo e quase todos. É, sim, a “fulanização” da farsa.
O que Jair Bolsonaro propõe nas entrelinhas, muitas vezes nas linhas, é o que os militares do golpe militar de 64 e os generais da ditadura fizeram: impor uma solução, seja como for. Isso ele não nega, assim como seu candidato a vice. Em suma, com Bolsonaro o eterno país do futuro começa a olhar perigosamente para o passado vergonhoso.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.