(*) Rizzatto Nunes
Há quem acredite que, deixado à própria sorte, o mercado se autorregule e, com isso, resolva uma série de problemas dos consumidores, inclusive oferecendo melhores produtos e serviços a menores preços.
De fato, na atualidade, é possível encontrar empresários e empresas que realmente se preocupam com a qualidade de seus produtos e serviços, com a questão ambiental, com entrega de parte do lucro a causas sociais etc. Mas, são uma minoria. Infelizmente.
A verdade é que o mercado precisa de regulação sim. E, ao menos no caso brasileiro, não só por determinação constitucional e legal, mas também por questão de ordem política e social, o Estado é o responsável pela fiscalização de tudo o quanto ocorre no mercado de consumo. Quando me refiro a Estado quero dizer todos os entes da Federação nas suas esferas de competência: a União, os Estados-membros e os Municípios.
É verdade, também, que uma parte dos produtos e serviços oferecidos no mercado tem uma certa autonomia em relação à fiscalização do Estado, tais como a indústria e comércio de vestuário, a produção e distribuição de livros, jornais e revistas, a oferta de cursos livres etc. No entanto, um amplo setor da economia está atrelado às determinações do Estado diretamente ou por intermédio de suas agências e autarquias e/ou são explorações autorizadas a funcionar apenas pelo Estado ou mediante concessão. Não é porque o Estado privatizou certos setores que não tem mais responsabilidade sobre eles.
Ademais, não adianta acreditar que o mercado de consumo resolve suas questões por conta própria, como se houvesse uma espécie de “lei” de mercado que fosse capaz de corrigir os excessos e as faltas. A verdadeira lei de mercado é aquela que aparece estampada nos jornais de negócios e nas manchetes dos grandes jornais e revistas: os empresários modernos e as grandes corporações que eles dirigem querem faturar mais alto, nem que para isso eles tenham que eliminar postos de trabalho, baixar salários, eliminar benefícios e piorar a qualidade de seus produtos e serviços. Para lucrar mais, esses empresários acabam correndo mais risco de oferecer piores produtos e serviços ao consumidor.
E, com o fenômeno da chamada globalização (que tem mais de 20 anos), o quadro piorou. Por conta da abertura do mercado de vários países, do incremento da tecnologia e das comunicações, da melhora das condições de distribuição etc, as grandes corporações acabaram por mudar seus polos de produção para locais que ainda não tinham tradição de produção de qualidade. Essas empresas foram buscar maiores lucros, pagando menores salários e produzindo bens de consumo de pior qualidade.
As conhecidas marcas mundiais passaram a atuar cada vez mais no marketing de manutenção da grife e, em alguns casos, tais marcas foram produzidas já no ambiente globalizado iludindo os consumidores que acabam adquirindo a marca em detrimento do próprio produto. Dizendo em outros termos: o fato do produto ou serviço ser oferecido por marca conhecida mundialmente não garante sua qualidade.
Pode até ser que outrora o produto feito na matriz em que foi criado fosse bom, mas não se pode mais garantir que continue sendo, na medida em que são produzidos em locais que não têm mão de obra qualificada e ambiente de trabalho solidificado na experiência.
Ora, como a regra mercadológica é faturar, ainda que piore a qualidade e a segurança dos produtos e dos serviços, exige-se maior participação do Estado diretamente na economia. É um grave erro o Estado sair do mercado, deixando que este resolva os próprios problemas criados. Muitas vezes, apenas o Estado pode resolvê-los.
Mas, é evidente que de nada adianta ter uma regulação apenas para inglês ver. Cito, por todos os demais, o exemplo do setor aéreo. Ali há de tudo um pouco de ruim: problemas de infraestrutura e administração nos aeroportos; esquemas escusos inventados e implantados pelas companhias aéreas contra os consumidores apenas com a intenção de aferir maior receita; ocorrência regular de overbooking; casos repetidos de atrasos e cancelamentos inexplicáveis; além dos novos mecanismos ocultos de faturamento expressamente autorizados pela Anac, dentre os quais se destacam a mudança das franquias de pesos nas bagagens, a cobrança pela marcação de assentos etc.
Nesse setor a responsabilidade do Estado decorre diretamente de seu direito e de seu dever de fiscalização. As companhias aéreas não podem atuar sem a autorização direta dos órgãos governamentais e não podem também fazer promessas e ofertas ao público consumidor que violem o sistema legal. O mesmo se dá em vários outros setores: no de brinquedos, no de alimentos, no de medicamentos, no financeiro etc.
Enfim, a cada dia que passa, apesar dos avanços propostos por algumas empresas, fica mais demonstrado que o mercado de consumo deve sofrer ação direta do Estado, em todas as suas áreas de competência e atuação, para garantir o mínimo de qualidade e segurança dos produtos e serviços oferecidos.
(*) Luiz Antônio Rizzatto Nunes é professor de Direito, Mestre e Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.