Enquanto PF não apurar origem de fortuna de filho de ditador africano, “fake news” são condenáveis

Uma ação conjunta da Polícia Federal e da Receita Federal, no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP), apreendeu malas de dinheiro e relógios da comitiva do vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Mang. A delegação carregava cerca de US$ 1,5 milhão e R$ 55 mil, em espécie, e relógios de luxo avaliados em US$ 15 milhões.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores informou que “se manteve em coordenação permanente com a Polícia Federal e a Receita Federal no acompanhamento do caso, inclusive quanto à adoção de medidas cabíveis”. A investigação do caso está sob sigilo diplomático.

Além do vice-presidente, mais dez pessoas estavam a bordo. A delegação não veio ao Brasil em missão oficial. Em visitas oficiais, a bagagem diplomática, com documentos do país de origem, não passa pela fiscalização. A comitiva da Guiné Equatorial, no entanto, tinha malas sem conteúdo diplomático.

O vice-presidente, filho mais velho do presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, estaria no Brasil para fazer um tratamento de saúde. O avião que trouxe a delegação é do governo da Guiné Equatorial e chegou a Viracopos na noite de sexta-feira (14).

Há pouco mais de três anos, o vice-presidente acompanhou, no Rio de Janeiro, o desfile da escola de samba Beija-Flor, que homenageou a Guiné Equatorial. Conhecido como Teodorín, é apontado como sucessor natural do pai, que tem 76 anos e está no poder há mais de três décadas. Foi ministro da Agricultura e de Florestas antes de assumir o posto em que está.

Desigualdade

Na África Ocidental, a Guiné Equatorial é um dos países com maior desigualdade social e econômica do mundo. Também está entre as nações que mais desrespeitam os direitos humanos. A história do país é marcada por ditaduras e violência. O atual presidente depôs o anterior, que foi condenado à morte.

Oficialmente, o país tem três idiomas português, espanhol e francês, assim como dialetos. Guiné Equatorial faz parte da Comunidade de Língua Portuguesa ao lado de Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, Tomé e Príncipe, além do Timor-Leste.


É o terceiro maior produtor de petróleo do mundo. A fortuna do presidente Nguema Mbasogo está entre as dez maiores do mundo, apesar da pobreza da Guiné Equatorial. No país, não há acesso à água potável e muitas crianças não sobrevivem além da primeira infância.

Organizações não governamentais denunciam ainda uma elevada incidência de tráfico de pessoas, inclusive de crianças, para fins sexuais e de trabalho escravo.

Fake news

O fato de o vice-presidente da Guiné Equatorial e sua comitiva terem desrespeitado a legislação brasileira não justifica as notícias mentirosas que começaram a circular logo após o incidente.

Alguns criminosos de plantão passaram a divulgar que Teodoro Obiang Mang veio ao Brasil trazendo joias e dinheiro em espécie para repassar ao PT, que enfrenta dificuldades para pagar fornecedores de campanha.

Anunciaram os proxenetas da informação, como forma de dar ares de veracidade à notícia mentirosa, que o ex-presidente Lula perdoou dívida da Guiné Equatorial, o que não procede. O petista atuou no país africano em favor da construtora Odebrecht, em 2013, ocasião em que conversou com autoridades locais para conseguir contratos para a empreiteira brasileira.

A então embaixadora do Brasil em Malabo, Eliana da Costa e Silva Puglia, testemunhou a conversa. “Lula citou, então, telefonema que dera ano passado (2012) ao Presidente Obiang sobre a importância de se adjudicar obra de construção do aeroporto de Mongomeyen à empresa Odebrecht (este aeroporto servirá às cidades de Mongomo, terra de Obiang, e à nova cidade administrativa de Oyala)”, disse a diplomata.

Que a viagem de Teodoro Obiang Mang ao Brasil é estranha e deve ser investigada não resta dúvida, mas conclusões precipitadas servem apenas para prejudicar ainda mais o clima eleitoral tenso que domina o País e coloca em risco a democracia brasileira.

É preciso aguardar as investigações da Polícia Federal, que vem mostrando ao longo dos anos competência de sobra na elucidação de casos complexos envolvendo políticos e autoridades em cenários de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes. Querer creditar a esse ou aquele partido a suspeita viagem do político africano é leviandade em último grau.