Sou contra o PT, sou contra Bolsonaro! Algum problema? Vai ter patrulha, perseguição, pau de arara?

(*) Ucho Haddad

“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.” (Darcy Ribeiro)

Reza a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso IV, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Também a Carta Magna prescreve no artigo 220º que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, merecendo destaque a redação de seu parágrafo 2º, segundo o qual “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Sendo assim, escrevo o que quiser e como quiser, o que não significa que jogarei ao rés do chão a coerência e a trajetória profissional. Sendo assim, critico quem quiser e quando quiser, sempre com base em fatos indiscutíveis e raciocínio lógico. Não sou proxeneta da informação nem vilipendio meus valores, crenças, convicções e ideias. Não faço jornalismo de aluguel nem minha consciência está à venda. Não avilto décadas de estudo, não atropelo o pensamento cartesiano, não sou massa de manobra. Crítico que sou, escrevo por convicção, não para agradar multidões.

Sou contra o Partido dos Trabalhadores, não é novidade. Durante mais de treze anos apontei incansavelmente os desmandos da legenda, levando às autoridades denúncias que culminaram nos devidos processos legais, sem os quais o País ainda estaria sendo devorado pelos “companheiros”. Nesse período, enfrentei a fúria petista, mas tal cruzada, covarde e rasteira, é nada se comparada ao que agora dedica-me a seita liderada pelo presidenciável que apresenta-se como salvador da pátria, como se público não fosse seu pensamento tosco, mitômano e discriminatório.

Sou contra Jair Bolsonaro! Qual é o problema? Não sou obrigado a seguir a manada ignara que acredita que alguém, a reboque de discurso pronto e populista, mudará a realidade brasileira com a facilidade que vem sendo anunciada aos borbotões. Se seus 50 milhões de eleitores – talvez sejam mais do que isso – aceitam ser enganados, cada um sabe o que é melhor para si.

Não ficarei de braços cruzados diante de alguém que tenta transformar constantes ameaças ao Estado de Direito em novo status quo democrático. Todavia, se parte da população aceita passivamente o escárnio, é porque o Brasil dá largos passos na direção do retrocesso. Movimento que conta com a aquiescência da súcia liderada por um populista irresponsável, que mais adiante há de se revelar.

Jair Bolsonaro não apresentou até então uma só proposta, a não ser a que prega a eliminação da esquerda nacional. Esquece o tiranete enrustido que a democracia, a mesma que ele próprio promete respeitar, só existe à sombra do equilíbrio de forças opostas. Não há outra receita para a democracia, que não essa. No caso da aludida eliminação da esquerda, o que não acontecerá porque a Constituição ainda está vigente, o Brasil terá uma ditadura de direita. E há quem chega ao êxtase com tal possibilidade, como se ditaduras fossem preâmbulos do Nirvana.

Bolsonaro embarcou na indignação da sociedade e incorporou o discurso anticorrupção. Na verdade, transformou-se na lança contra os corruptos, mesmo tendo vivido durante anos a fio entre os saltimbancos com mandato. Passou longa temporada filiado ao Partido Progressista, legenda que forneceu à Operação Lava-Jato não apenas bons punhados de corruptos, mas o mentor intelectual do esquema criminoso que ficou conhecido como Petrolão.

Dissimulado, Bolsonaro alega que não sabia da corrupção praticada pelo PP. Seus pares batiam carteira a céu aberto, mas ele não sabia? Até nisso Bolsonaro é parecido com Lula. Em suma, o candidato do “bate e arrebenta” viveu longos anos na recepção do prostíbulo da pólis, sempre acreditando que estava na sacristia da igreja da esquina. O agora presidenciável do PSL foi conivente com a roubalheira desenfreada do PP, mas surge em cena como o último dos moralistas.

Ora, ora, o James Bond de Pindorama quer combater a corrupção como um todo ou quer dizimar a corrupção praticada pelo PT? Até porque, como prega a ignorância popular, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.

Populista rastaquera, Jair Bolsonaro é a estrela já cadente de um ajuntamento de pessoas que acreditam no imponderável. Fosse intransigente com a corrupção, como prega, Bolsonaro sequer teria passado à porta da sede do PSL, cujo presidente “de facto e de jure” é Luciano Bivar. Há anos, Bivar assumiu publicamente ter pago propina à CBF para que um jogador do Sport Club do Recife, agremiação que presidia, fosse convocado para a seleção brasileira. Isso é corrupção ou não?

Bolsonaro não me engana, portanto não me convence. Isso me dá o direito de ser radicalmente contra ele, postura que manterei durante os próximos quatro anos, caso sua eleição seja confirmada no próximo dia 28 de outubro. O mesmo farei com Fernando Haddad, se o petista for eleito. Até porque, assim agi com Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. Dizia o genial e saudoso Millôr Fernandes: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

Míope quando o assunto é o Estado, Bolsonaro não mudou suas ideias e convicções retrógradas e discriminatórias, apenas vestiu a fantasia de príncipe encantado tupiniquim para enganar parte da Botocúndia, que aposta na ignorância, na brutalidade e na intolerância como receita para mudar a dura realidade nacional.

Exercerei o meu direito de opinião, sem jamais me deixar intimidar por qualquer seguidor de um embusteiro despreparado que sequer respeita aqueles que discordam dos seus obtusos paradigmas. Há no entorno de Bolsonaro quem já prega a eliminação daqueles que lhe fazem oposição, apontando de forma antecipada para um perigoso regime autoritário calcado na retirada de cena dos adversários. E qualquer semelhança com a ditadura militar não é mera coincidência.

Como democrata convicto aceito o contraditório, mas não debato com quem usa o bestiário como muleta intelectual, apenas porque a ordem da seita é desmontar qualquer crítica ao imaculado. Ao longo do tempo me acostumei a discutir ideias, não questões comezinhas e fustigações torpes.

Sobre patrulha, ameaças, maledicências, ofensas, violências e outros recursos totalitaristas, cada um sabe o que faz. A lei existe para todos, pelo menos por enquanto. Que ninguém queira impor-me taramelas, pois aqui ditadura ainda é coisa do passado. E assim espero que continue. Ou será que o DOI-Codi ressurgirá em breve com direito a foto de corpo inteiro de Brilhante Ustra logo na entrada? Ou teremos de volta o pau de arara para “crimes de opinião”?

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.