Somente um desavisado acreditou no conteúdo da carta que Jair Bolsonaro enviou ao decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, para se desculpar pelas estapafúrdias e golpistas declarações do filho, Eduardo Bolsonaro, que em vídeo afirmou, em tom de deboche, que para fechar a Corte eram necessários apenas um soldado um cabo.
Bolsonaro, que preferiu apelar ao falso bom-mocismo porque certamente imagina as consequências das declarações do filho, afirmou na carta que o STF é o “guardião da Constituição” e que “todos temos de prestigiar a Corte”.
O presidenciável do PSL não está muito preocupado com a Carta Magna, como demonstram suas recentes declarações, verdadeiros atentados ao texto constitucional. De igual modo, Bolsonaro cumpre tabela ao afirmar que sua candidatura é garantia da democracia e da liberdade.
Na terça-feira (23), em entrevista à “TV Cidade Verde”, do Piauí, Jair Bolsonaro afirmou que “tudo é coitadismo no Brasil” e que vai “acabar com isso”. “Isso não pode continuar existindo. Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitada da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense”, afirmou o candidato, para quem não tocar no assunto é a melhor forma de combater o racismo.
“Quando eu era garoto, não tinha essa história de bullying. O gordinho dava pancada em todo mundo. Agora o gordinho chora. Acontecem as brincadeiras entre crianças. Elas estão ali se moldando, moldando o caráter. Não tem que ter política pra isso”, afirmou.
Para Bolsonaro, as políticas defendidas pelos movimentos sociais “reforçam o preconceito”. Para escorar essa tese mefistofélica, o candidato tratou de desqualificar a política de cotas, que garante aos menos favorecidos, como os negros, o ingresso em universidades públicas.
O candidato considera essa política “completamente equivocada”. E sem mencionar a fonte de informação, recorreu a uma estatística esdrúxula para sustentar sua tese. “Setenta por cento dos afrodescendentes que entram pela política de cota (na universidade) são bem de vida. Tem que ter uma cota social para inverter isso aí”.
Para quem não acreditava no despreparo do candidato, ele diz que as políticas defendidas pelos movimentos sociais são uma “maneira de dividir a sociedade”. Não contente com um raciocínio que chafurda no cocho da estupidez, Bolsonaro garante que não há desigualdade no País, pois “somos um só povo embaixo de uma só bandeira, um só coração verde e amarelo.”
O despreparo de Bolsonaro é tão devastador, que qualquer declaração script explica sua decisão de não participar dos debates do segundo turno da corrida presidencial. O que ao fim e ao cabo poupou o eleitor de um espetáculo tragicômico.
Tratar as minorias com esse simplismo rude e ignaro, como se as questões relacionadas a esses grupos fossem obra do “invencionismo”, mostra de antemão o que o Brasil pode esperar de um governante que não terá como entregar o que prometeu aos ensandecidos seguidores.
Pífio em termos de pensamento e tosco ao falar, Bolsonaro é a “fulanização” da matraca bestial que em breve decidirá o futuro de uma nação que há muito não sabe o que é um governante à altura das suas necessidades. Pior ainda é um candidato a chefe do Executivo que sequer leu as primeiras páginas da Constituição, que traz as chamadas “cláusulas pétreas”.
Quando afirma que acabará com o “coitadismo”, Bolsonaro assume desde já o compromisso de cumprir na íntegra, sem qualquer desculpa, o que estabelece a Constituição de 1988 em seu artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.
Não obstante, a Constituição reza em seu artigo 5º (caput): “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
É sabido que o Estado brasileiro tem se mostrado ao longo dos anos incapaz de cumprir o que determina a Carta Magna nos artigos acima mencionados, portanto os movimentos sociais, desde que não usados para fins político-ideológicos, são importantes ferramentas de representação das minorias, goste ou não Jair Bolsonaro.
Ademais, ao anunciar que decretará o fim dos movimentos sociais porque, na sua distorcida opinião, esses dividem a sociedade e que no Brasil não há desigualdade, Bolsonaro atropela mais uma vez a Constituição, que em seu artigo 5º também estabelece o que segue:
XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado.
Resumindo, se quiser acabar com os movimentos sociais, como prometeu na entrevista à TV Cidade Verde, Bolsonaro terá de revogar a Constituição, algo que só será possível não com um soldado e um cabo, mas com alguns tanques e um golpe bem planejado. A se confirmar esse cenário, o Brasil estará novamente debaixo de uma ditadura militar ou os brasileiros descobrirão que o James Bond de Pindorama é um engodo político.