Ganhamos todos ou perdemos tudo

(*) Carlos Brickmann

Escrevo num horário pensado: entre o fim da votação e o início das apurações. Não sei quem é vencedor; nem a boca de urna das pesquisas saiu – mas como acreditar em algo quando as pesquisas do primeiro turno sequer mencionavam Zema, um Witzel e outros que mostraram força eleitoral?

Seja quem for o vencedor (e, ao ler esta pensata, o caro leitor já saberá quem é), herda um país dividido. Na guerra suja da campanha, adubada por infelizes atitudes anteriores, dividiu-se o país ao meio. Os adeptos de um candidato passaram a ver comunistas por todos os cantos: Fernando Henrique, por exemplo, ou Márcio França, um fiel aliado do ex-governador Alckmin. A Folha de S.Paulo virou comunista, junto com a Rede Globo; e o Brasil de repente passou a ter mais comunistas do que a China. Já os seguidores do outro candidato concluíram que metade do país era formada por fascistas, ou nazifascistas, como se de repente o hoje deputado eleito Alexandre Frota fosse um agente de Mussolini infiltrado no Brasil.

Tudo besteira, claro: aquela senhora que teme a abolição da Bolsa Família e para defender-se vota sempre nos candidatos petistas não tem a mais remota ideia do que seja comunismo, e aquele jovem de classe média desempregado pela Nova Matriz Econômica de Dilma Rousseff, cansado de ouvir Marilena Chauí dizer que odeia a classe média, quer ver o PT de longe, mas não tem a menor compulsão de vestir a camisa negra do fascismo. Sejamos claros: o que impulsionou Bolsonaro foi o antipetismo de boa parte da população; foi a ideia de que é preciso cuidar um pouco da ordem pública, do combate ao banditismo, da questão da segurança.

E o que levou boa parte do eleitorado a Fernando Haddad não foi a vontade de participar da Turma do Mensalão, nem a ideia de que apoiar ditaduras na África e na América Latina é um bom caminho para o país. É uma combinação de temor diante da possibilidade da perda de benefícios e garantias trabalhistas, da extinção da Bolsa Família e da restrição da liberdade de pensamento, tudo convergindo no antibolsonarismo.

Nos dois casos, os temores podem ser exagerados; nos dois casos, as soluções propostas pelos candidatos podem ser inúteis. Armar a população dificilmente, na opinião deste colunista, é uma solução para o problema da segurança pública. Atirar ao lixo o teto das despesas governamentais com certeza não vai reduzir o desemprego nem, a médio prazo, garantir o emprego de quem ainda o tem. Não faz mal: Bolsonaro passa a impressão de que vai melhorar a situação da segurança, Haddad passa a impressão de que vai defender os trabalhadores contra os patrões. E é isso, não a transformação do Brasil num campo de batalha entre fascistas e comunistas, que levou tanta gente a apoiá-los: acreditar que estas soluções simples sejam capazes de funcionar.

OK: dito isso, o vencedor terá de governar um país dividido. Imaginemos que, em ambos os casos, as soluções sejam surpreendentemente eficientes. Mas nenhum dos dois lados terá condições de implementá-las tendo metade do país contra ele – e, seja qual for a metade, profundamente radicalizada, convencida de que o Governo é ou fascista ou comunista, e convencida de que o objetivo oficial é esmagá-la.

A primeira tarefa, portanto, é desarmar essa bomba relógio. O vencedor terá de mostrar que não tem o objetivo de destruir os vencidos, mas apenas de governar para todos. Em resumo, pacificar o país. Há pouco mais de 60 anos, Juscelino Kubitschek subiu à Presidência, depois de superar dois golpes que tentaram impedi-lo de assumir o cargo para o qual tinha sido eleito. Na liderança da oposição, tinha o tremendo Carlos Lacerda, apoiado por militares de prestígio.

Juscelino enfrentou duas rebeliões militares contra seu Governo, derrotou-as, e em seguida anistiou os revoltosos. Soube movimentar-se no Governo e nos partidos de oposição, atraindo-os para iniciativas conjuntas esporádicas. Foi complicado, mas levou seu Governo até o fim. E, não fosse a tomada do poder pelo movimento militar de 1964, tinha tudo para voltar à Presidência da República.

Juscelino fez um bom Governo? Isso é questão para os historiadores. Mas conseguiu governar. Conseguiu trazer para o Brasil a indústria automobilística, conseguiu construir Brasília em quatro anos, e tudo porque conseguiu pacificar o país – ao menos em seu período de Governo.

Em resumo, espera-se que o novo presidente – de acordo com as notícias que agora chegam, Jair Bolsonaro – seja capaz de conseguir a paz, como Juscelino. Transformar-se em Juscelino – este é seu grande desafio.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.