Traído pelo pensamento totalitário, Bolsonaro diz que imprensa indigna não terá recursos do governo

Encerrado o mais polêmico, polarizado e truculento período eleitoral desde a redemocratização do País – com os candidatos trocando ofensas, acusações e mentiras de todos os naipes –, os brasileiros acreditaram na possibilidade de pacificação após meses de tensão e provocações por todos os lados, como se isso fosse tão simples quanto acionar um botão. Mas esse cenário de beligerância não acabará tão cedo, pois há pessoas dispostas a manter a fogueira acesa.

Eleito presidente da República, Jair Bolsonaro fez um discurso à nação logo após a vitória, transmitido pelas redes sociais, no qual prometeu defender a Constituição e a liberdade de opinião e de expressão, o que de maneira ampla contempla a liberdade de imprensa, tão importante para garantir a inviolabilidade da democracia.

Entre o que o Bolsonaro pensa e diz há uma considerável diferença, o que é compreensível, pois o deputado federal que se escondia debaixo da imunidade parlamentar para disparar impropérios cedeu lugar a um presidente eleito que precisa medir as próprias palavras, sob pena de assim não fazendo tropeçar em um cipoal de problemas ao longo do caminho.

Na noite de segunda-feira (29), em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, Bolsonaro deixou claro que a defesa que faz em favor da liberdade de imprensa não é tão sólida quanto parece. Ao ser questionado pelo jornalista William Bonner sobre sua posição ambígua em relação ao tema, pois defendeu o fim do jornal Folha de S.Paulo, o presidente eleito mais uma vez foi vítima da própria fala.

“Não quero que [a Folha] acabe. Mas, no que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal”. Em seguida, Bolsonaro completou: “Por si só esse jornal se acabou”.

O presidente eleito, além de despreparado, parece não ter o menor traquejo para cargo tão importante, a Presidência da República, mas seus eleitores e adores dirão que isso é detalhe. Um político que está a poucas semanas de assumir o comando do País não pode afirmar que é um defensor da liberdade de imprensa, ao mesmo tempo em que diz que veículos midiáticos só terão direito a verbas federais caso se comportem de maneira digna.


Bolsonaro acostumou-se durante a campanha com o servilismo nauseante da imprensa adesista, que por certo teve motivos de sobra para fazer ativismo jornalístico, algo que o UCHO.INFO se recusa a fazer. Contudo, classificar como indigna a postura da Folha mostra o que o brasileiro de bem pode esperar a partir de 1º de janeiro.

A afirmação de que a Folha de S.Paulo “por si só se acabou” demonstra o despreparo de quem que tenta passar à opinião pública a falsa imagem de alguém que respeita a Constituição e a liberdade de imprensa. Mesmo sem o próximo governo ter começado oficialmente, Bolsonaro já começou na contramão. E isso deveria preocupar aqueles que defendem incondicionalmente a democracia e o Estado de Direito.

O ataque à Folha é uma ofensa ao bom jornalismo e aos veículos de comunicação que não se renderam aos caprichos de um candidato que, até recentemente, sem qualquer dose de cerimônia atentava contra a Carta Magna com desfaçatez e contumácia, como se o texto constitucional nada valesse.

Para quem, no discurso da vitória, ousou afirmar que “o compromisso que assumimos foi fazer um governo decente”, Bolsonaro mostrou-se um contorcionista moral ao condicionar a oferta de dinheiro público ao comportamento “digno” dos veículos de imprensa. Porém, causa espécie o fato de essa aludida indignidade da imprensa mencionada pelo presidente eleito estar relacionada à divulgação da verdade.

Sempre mantendo o compromisso com a ética e a verdade dos fatos, o jornalismo do UCHO.INFO tem sido alvo de seguidas críticas dos eleitores de Jair Bolsonaro, que por discordarem das nossas opiniões e matérias creem que os ataques são a melhor forma de exercer o direito ao contraditório. As críticas e ofensas que nos dedicam, muitas delas aviltantes, respaldam nossa decisão de seguir no caminho que entendemos ser mais justo e parcimonioso.

Acusações torpes e rasteiras, como, por exemplo, a de que somos parciais e incompetentes, não nos incomodam, já que enquanto estávamos a criticar os partidos da esquerda éramos merecedores de elogios. Como não nos deixamos levar por esses falsos e extemporâneos salamaleques, certos estamos de que em algum momento a verdade prevalecerá. Como disse Jean-Jacques Rousseau, “as injúrias são as razões dos que não têm razão”.