O juiz federal Sérgio Moro, indicado para comandar o Ministério da Justiça no próximo governo, mas que poderá não tomar posse no cargo por conta de processos administrativos que tramitam no CNJ, disse que desempenhará papel técnico, mas já age como político ao adotar fala marcada por contradições.
Em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, Moro disse que um ministro alvo de denúncia “consistente” deve ser afastado. É preciso saber o que o ainda juiz da Operação Lava-Jato entende por “denúncia consistente”, pois há na equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, futuros ministros que são alvo de denúncias mais que consistentes.
“Se a denúncia for consistente, sim [o ministro envolvido em alguma denúncia de corrupção deve ser afastado]. […] Eu defendo que, em caso de corrupção, se analise as provas e se faça um juízo de consistência, porque também existem acusações infundadas, pessoas têm direito de defesa. Mas é possível analisar desde logo a robustez das provas e emitir um juízo de valor. Não é preciso esperar as Cortes de justiça proferirem o julgamento”, defendeu Moro.
Perguntado se ele próprio, na condição de ministro da Justiça, analisaria e faria tal juízo de valor para aconselhar o presidente da República a demitir o ministro alvo de denúncia, ele admitiu que, “provavelmente”, sim.
“Ou algum outro conselheiro. O que me foi assegurado, e é uma condição, não é bem uma condição, não fui estabelecer condições. Mas eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com risco de comprometer a minha biografia, o meu histórico”, complementou.
De acordo com Moro, ele discutiu com o presidente eleito e obteve a garantia de que “ninguém seria protegido se surgissem casos de corrupção dentro do governo”.
Para quem afirmou ter aceito o convite para comandar o Ministério da Justiça diante da possibilidade de implantar intensa agenda de combate à corrupção, Sérgio Moro é uma ode à contradição. Afinal, Onyx Lorenzoni, futuro ministro-chefe da Casa Civil, admitiu ter recebido por meio de caixa recursos ilícitos da JBS. E Moro vem minimizando a situação do futuro colega de governo, com a desculpa de que ele já se desculpou pelo malfeito.
O que Sérgio Moro sugeriu durante a entrevista ao Fantástico é excesso de pompa e circunstância para um governo que em breve estreará sem ter o que mostrar à opinião pública. Quando um integrante do governo é alvo de qualquer acusação grave, não é preciso que o ministro da Justiça avalie a situação para que, ato contínuo, o presidente tome uma decisão. O que se busca com isso é dar uma satisfação à opinião pública, cumprindo promessa de campanha.
Basta seguir o exemplo do saudoso Itamar Franco, que certa feita, diante de acusação de corrupção contra Henrique Hargreaves, decidiu afastar o amigo de longa data da chefia da Casa Civil. Itamar deu carta branca à Polícia Federal, explicando a Hargreaves que a decisão era necessária para preservar o governo e o currículo do amigo. A PF nada encontrou contra o chefe da Casa Civil, que retornou ao posto mais forte do que antes.
A sugestão de Moro, de avaliar as provas e banir determinado ministro do governo, é condenar o acusado por antecipação, sem respeitar os direitos de defesa e do devido processo legal. Ou seja, o governo terá seu tribunal de exceção. Essa estratégia aponta para um Estado policialesco, que tem como mentor um governo populista que, cedo ou tarde, será dragado por escândalos.