(*) Ipojuca Pontes
Mas, como ia dizendo, depois de eleito presidente da República, Collor de Mello, por intermédio do embaixador Marcos Coimbra, chefe da Casa Civil, convidou-me para uma conversa no “Bolo de Noiva”, em Brasília.
Lá, o novo presidente (que fora eleito durante o furor da queda do Muro de Berlim e a partir da sua adesão à política antiestatizante empreendida por Margareth Thatcher, primeira-ministra do Reino Unido, em especial no que dizia respeito a desregulamentação, privatização das empresas públicas e redução do poder predatório dos sindicatos esquerdistas) depois de tecer considerações sobre minhas críticas às distorções vigentes no aparato da cultura oficial do País, publicadas no jornal “O Estado de S. Paulo”, pediu-me sugestões práticas para se diminuir o tamanho do Estado inflacionário tocado por Zé Sarney, presidente por acaso, apedrejado nas ruas pela população do Rio de Janeiro.
Sentei-me diante de uma máquina e em quinze minutos escrevi um “paper” no qual sugeri ao novo mandatário três pontos a serem considerados dentro de uma reforma administrativa do Estado na área da Cultura, a saber: 1) Redução de dezenas de fundações e empresas em dois institutos básicos: um, para cuidar da área do Patrimônio Histórico; outro direcionado para o setor das artes e cultura; 2) Por questão de maior autonomia, sugeri a transformação da Biblioteca Nacional em fundação; 3) Na sua reforma do Estado, tratasse de fechar a Embrafilme, empresa estatal comprovadamente corrupta, que tinha nas figuras engajadas de Nelson Pereira dos Santos, Luiz Carlos Barreto e Cacá Diegues os seus principais beneficiários.
Devo assinalar que o novo presidente seguiu ipsis literis o “paper” que lhe passei. Mais do que isso, transformou o ministério criado pelo permissivo Zé Sarney em Secretaria Nacional da Cultura, pasta para a qual me nomeou como gestor. No ato vaticinou que ele, mais do que eu, iria enfrentar uma “tribuzana braba”, pois o seu governo iria fechar 18 estatais, 11 ministérios (23 para 12) e 24 órgãos públicos. A Embrafilme, empresa sempre deficitária, estava na lista das privatizações, mas ninguém apareceu para comprá-la – e foi fechada.
Toda essa narrativa vem a propósito de quê?
Bem, recentemente, soube que o notório Cacá Diegues, subintelectual que já se disse “neomarxista” e sujeito “muito metido”, escreveu em “O Globo”, jornal em permanente campanha contra Jair Bolsonaro, que a “cultura”, em 1990, “sofreu um golpe histórico” porque Collor de Mello queria “se vingar” por não ter recebido apoio, em sua candidatura, “de artistas e intelectuais”.
Cacá Diegues, de quem Luís Sérgio Person, diretor de “São Paulo S.A”, dizia “não ter um só fotograma de talento”, é o típico “intelectual” esquerdista de “pensamento único” (característica do subintelectual), especialista em distorcer a verdade e proclamar mentiras e meias-verdades em função dos seus interesses ditos “socializantes”.
De minha parte, informo ao leitor, desmentindo Diegues, que centenas de artistas e intelectuais (muito mais respeitáveis do que o dito cujo) votaram e fizeram campanha para eleger – como de fato elegeram – Collor de Mello. Por sua vez, basta um mínimo de decência para reconhecer que o político alagoano foi eleito porque, para além dos motivos acima expostos (derrocada da URSS e ascensão do Tatcherismo, etc.), o Brasil, desgovernado como um barco à deriva, foi levado ao descalabro pela ação irresponsável do governo da “Nova República” que elevou a inflação acima de 3% ao dia, entre outras razões, sem dúvida, por conceder benesses geradas por monstrengos como a Lei Sarney (hoje, Rouanet), a fomentar tudo, menos riqueza material ou cultural, e gerando, a um só tempo, clientelismo, negocismo, favoritismo e infindáveis prejuízos financeiros à sociedade.
No Brasil, a prevalência do Estado provedor e a enraizada mentalidade intervencionista/assistencialista, se fez particularmente ativa na área do cinema, onde, por exemplo, Cacá Diegues transita lépido entre a privilegiada figura do “señorito” mexicano e o intocável “sinhozinho” do Brasil feudal. Na prática insolvente, como era de se esperar, a produção de filmes tornou-se uma rubrica a mais na contabilidade do desperdício e do agigantamento do Estado cartorial.
(Ainda a propósito de Diegues: em artigo que circula na internet, “Da natureza das Rêmoras”, o roteirista Paulo Halm associa o “sinhozinho” do cinema ao peixe ameba – rêmora – que vive de sugar, em fúria parasitária, os peixes predadores aos quais se atrela).
Com efeito, nesta área conflagrada, a consumir anualmente bilhões de reais com a produção, distribuição e exibição de filmes subvencionados por leis permissivas e incentivos fiscais, o cinema nacional, ao inviabilizar de caso pensado a atividade privada do setor, tornou-se, no dizer do cepalino Celso Furtado, “uma atividade inviável”. De fato, com a dinheirama escorrendo fácil pela tabatinga onerosa da Lei do Audiovisual e do Fundo Setorial do Audiovisual, não há mais filme brasileiro que realmente se pague: os custos da produção oficial tornaram-se inabordáveis pela renda das bilheterias. Sem falar que em sua ampla maioria os filmes resultam bobos, chatos ou ideologizados e cerebrinos como os do “sinhozinho” do cinema.
(Abro exceção para “Polícia Federal –A lei é para todos”, excepcional filme da década, produzido sem dinheiro público ou benefício fiscal por Tomislav Blazik e dirigido por Marcelo Antunez, que lotou as salas de cinema do País justamente por mostrar com integridade e fluência a ação do juiz Moro e da PF para levar o indigitado Lula às barras da cadeia).
Para aprofundar o assunto, lembro ao presidente eleito Jair Bolsonaro e ao próprio Ministro da Fazenda, economista Paulo Guedes que, nesta área, não estarão lidando com amadores: há cinco décadas que essa gente vem acuando os governos (esquerdistas ou não) com ameaças e sofismas, entre eles, os de que tanto o capitalismo liberal quanto o capitalismo de Estado “investem em seus valores culturais para existir como nação” Bonito, hein?
Bullshit! – como diria o outro. Na China, por exemplo, ditadura comunista que controla com mão de ferro cada centavo que circula na área, o sujeito que se meter a fazer filme ou qualquer “obra de arte” atrelada à ideologia de gênero, casamento gay, cotas raciais, denúncias contra o regime, etc. (caso do Brasil), será imediatamente despachado para um “centro de recuperação vocacional” em remotas regiões, onde, quebrando pedra, será “reeducado” para conviver com o gênero humano. Idem, no Vietnam e na miserável Cuba, onde Diegues, por sinal, é distinguido como “cineasta engajado de prestigio”.
Já no capitalismo liberal, onde prevalece a lógica do mercado, o filme procura o lucro – e é produzido a partir do que arrecada na bilheteria. A única intervenção possível é a de agentes,
advogados, companhias seguradoras, distribuidoras e empréstimos bancários.
Se o produtor acertar, ganhará milhões de dólares. Se errar a mão, vai passar muito tempo na geladeira ou pagar o prejuízo com dinheiro próprio. Tipos viciados em produzir filme com dinheiro público, como Diegues, dificilmente poderiam encarar uma real economia de mercado.
Antes faço uma alerta aos interessados quanto à idéia marota de que o cinema dos EUA, ao vender o “american way of life”, impôs sua liderança e seus produtos no mundo.
Trata-se de uma lorota antiga que circula no Brasil justamente para tirar mais dinheiro do Erário e enfiar na algibeira dos mandarins do setor.
O que fez dos Estados Unidos da América a nação mais importante do mundo foi, em primeiro lugar, sua democracia, cuja constituição estabelece a supremacia do indivíduo sobre o Estado e não, como a nossa, o domínio do Estado sobre o indivíduo. O que gerou, claro, um modo de vida responsável, produtivo e livre.
Em segundo, é preciso dizer que os EUA, graças ao suor e a imaginação dos seus inventores e da grana dos banqueiros (por que não?) são responsáveis pela criação da lâmpada elétrica, do cinescópio, do telefone, da produção do automóvel em série, da lâmina de barbear, do frigorífico (geladeira), do ar condicionado, do fonógrafo, do cinema falado, das baterias de recarga, da internet, do helicóptero etc. etc. etc. e mais de 15 mil invenções que servem à humanidade e que, por si só, garantiram o interesse e a hegemonia dos seus produtos. Eles, antes da segunda metade do século passado, já seduziam, no cinema, as plateias de todo o mundo, com os faroestes de Billy Eliot e as comédias de Carlitos, a vender, além de talento, tão somente muita poeira, socos, correrias e pastelões ingênuos.
Voltaremos ao assunto.
(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.