(*) Ucho Haddad
“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.” (Darcy Ribeiro)
A política é cíclica, por isso se repete de tempos em tempos. A estupidez do brasileiro também. Talvez a estupidez nacional seja perene, com movimento ciclotímico acelerado, o que impede a percepção de uma pausa na sua presença.
Nos primeiros dias de janeiro de 2003, na estreia da era Lula, não dei fôlego àquele que durante a corrida presidencial prometera acabar com a corrupção. Algo parecido com o que fez o igualmente messiânico Jair Bolsonaro. Muitos alertaram-me, à época, dizendo que estava em ritmo afoito e que era preciso dar tempo ao governo do petista. Experiente, mas longe de ser dono de bola de cristal, não dei ouvidos aos que tentavam dissuadir-me.
Alguns meses se passaram e o primeiro escândalo da era petista surgiu na cena política da outrora Pindorama: Waldomiro Diniz, ex-braço direito de José Dirceu na Casa Civil, flagrado negociando propina com Carlinhos Cachoeira. Foi o suficiente para aqueles que me pediram prudência mudassem de ideia. Da noite para o dia, passaram a seguir os meus escritos, certos de que novos imbróglios haveriam de brotar. E brotaram aos bolhões!
No rastro da redundância da história política dessa barafunda chamada Brasil, agora a horda aduladora de Jair Bolsonaro faz o mesmo, mas de maneira mais intensa e colérica. Avessa a qualquer crítica àquele que foi guindado à condição de divindade nacional, a seita bolsonarista, tomada por impressionante cegueira, ataca de chofre quem dedica palavras que causem mossa ao novo inquilino palaciano.
Bolsonaro sabe, há muito, que não terá como entregar ao eleitorado aquilo que prometeu durante a corrida presidencial, por isso permanecerá em campanha ao longo do próximo quadriênio, apostando no estado de afecção daqueles que continuam incensando-o continuamente, como se a nação estivesse diante de um Messias de camelô.
Para manter esse cenário de torpor dos ascetas de prontidão, Jair Bolsonaro recorre, vez por outra, a gestual que leva parte da multidão ao delírio. Entre esses gestos estão movimentos militarescos, como, por exemplo, a prestação de continência (no popular, bater continência).
Na cerimônia de posse, mais especificamente momentos antes de embarcar no Rolls-Royce presidencial, Bolsonaro prestou continência a um religioso que estava à sua espera ao pé da Catedral de Brasília. De chofre critiquei o ato, pois a Presidência da República não é o fundo do quintal da casa da avó nem o boteco da esquina. Ser presidente de uma nação exige o estrito cumprimento de regras e do protocolo, algo que Bolsonaro parece não compreender. O que explica sua rebeldia nos tempos de caserna. Foi o bastante para a manada bolsonática disparar em fúria, trazendo a reboque ofensas de todos os matizes.
O Decreto presidencial nº 2.243, de junho de 1997, assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, explica que, por meio da continência, “o militar manifesta respeito e apreço aos seus superiores, pares e subordinados”.
Apenas para lembrar, a nossa Constituição estabelece em seu artigo 5º, inciso IV, que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Sendo assim, enquanto o Brasil for uma democracia de fato e de direito, escreverei o que quiser e quando quiser, criticando quem bem entender. Sou senhor dos meus atos e está para nascer quem me colocará mordaça. Ademais, não temo cara feia nem ameaças de pitbulls mimados.
Nesses tempos de intolerância bolsopata, o Brasil foi tomado por uma onda de pensamentos binários, até porque não há como justificar as bizarrices de um presidente que continua a apostar na polarização ignara da campanha como derradeira tábua de salvação.
À sombra desse binarismo do raciocínio tosco que impera na seita, alguns mantras se repetem de maneira cansativa e nauseante, sempre tendo Lula e os petistas como epicentro de uma busca insana por justificativas que salvem Bolsonaro. Para quem nutre ojeriza por Lula, ter o ex-metalúrgico e seus crimes como valhacouto é no mínimo falta de competência. Talvez seja excesso de estupidez, típico de sevandijas.
Entre estadista e sátrapa há considerável e assustadora diferença, mas Jair Bolsonaro não tem cabedal para ser nenhum nem outro. Diante desse quadro, o presidente continuará apoiado na letargia pusilânime dos seus apoiadores, pois é preciso levar o engodo adiante.
Bolsonaro passou boa parte da sua trajetória parlamentar filiado ao corrupto PP, mas continua acreditando ser a quintessência da política verde-loura. Ato contínuo, seus eleitores, sempre abduzidos, insistem na tese de que agora o Brasil está sob a batuta de um representante da moralidade estoica e da genialidade universal.
O Brasil vive uma pilhéria sem precedentes, com direito a constantes pitadas de intolerância e truculência por parte dos que têm como versículo-mor “Tudo posso no Bolsonaro que me fortalece”. Por conta disso, cabe-me resgatar frase do gaúcho Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o Barão de Itararé, que certa feita disse: “Se há um idiota no poder, é porque os que o elegeram estão bem representados.”
Sobre os ataques torpes de que constantemente sou alvo, até porque não poderia ser diferente partindo de pessoas tomadas por um binarismo tosco e mimetista, resta-me recorrer ao filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, que em priscas eras profetizou: “As injúrias são as razões dos que não têm razão”.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.