Cultura: esquema furado de Osmar Terra

(*) Ipojuca Pontes

Li algumas entrevistas concedidas por Osmar Terra, titular do Ministério da Cidadania do governo Bolsonaro (ao qual são agregadas as pastas do Desenvolvimento Social, Esporte e Cultura) e fiquei de pé atrás. Palavra. De cara, respondendo a perguntas da militância da Folha de S. Paulo, Terra disse que “não entende nada do tema” (cultura) e, de pronto, adiantou: “Só toco berimbau”.

Coitado do ministro – não faz a menor ideia com que está lidando. No ato, logo apareceu Caetano “Miolo Mole” Veloso, uma espécie de ventríloquo das esquerdas, para dizer que “Tocar berimbau é uma coisa muito difícil”. E, em seguida, desafiou: “O ministro tem de provar que sabe tocar berimbau” – de resto, um instrumento monocórdio e limitado.

Um dos problemas básicos dos administradores da cultura oficial é que eles são, em geral, ou ignorantes e logo viram mero instrumento nas mãos de uma corriola altamente azeitada nos ardis de se apropriar do dinheiro público via leis permissivas que eles próprios articulam em parceria com a burocracia estatizante, ou então, o que é pior, quando os próprios integrantes da corriola engajada – caso de tipos fanáticos ou “progressistas” como Celso Amorim e Gilberto Gil – passam a gerir, dentro da máquina oficial, os recursos ditos públicos em função de seus interesses pessoais ou político-ideológicos para subverter o país na demanda de um socialismo tropical. Bem, aí a coisa desanda.

O perfil de Osmar Terra é, no mínimo, duvidoso. Deputado Federal pelo MDB (antigo PMDB, partido criado nas lombadas do Partido Comunista), o ministro esteve exilado no Chile nos “tempos da ditadura militar”. Médico, foi secretario de Saúde do Rio Grande do Sul, onde, baseado no esquema cubano “Educa tu Hijo” (para o qual trouxe médicos instrutores da Ilha de Fidel Castro), implantou o programa “Primeira Infância”.

Osmar Terra foi ministro do Desenvolvimento Social do governo Temer e, segundo o Estadão, pediu dinheiro a empreiteira OAS para financiamento de campanha eleitoral.

Como deputado, votou a favor do processo de impeachment de Dilma Rousseff, contra a legalização das drogas e pelo arquivamento do processo da denúncia de corrupção de Michel Temer.

Na sua fala, o ministro manifestou a intenção de passar “um pente fino na Lei Rouanet, fazer uma auditoria para ver como foi gasto tanto dinheiro esses anos todos”. Ele disse que tem artistas famosos “pegando milhões, enquanto artistas que estão começando não têm acessos à lei”. Muito falante, ao modo de um cultor da “velha política”, não se inibiu em desfilar platitudes: “A lei não pode acabar, é importante. Mas tem de ter uma revisão de normas, eliminando a possibilidade de desvio. O que vamos fazer são regras para popularizar mais. Não elitizar o dinheiro. Tem artista com espetáculo garantido e está usando. Pode até dar para um artista famoso, mas tem de ter uma série de obrigações. Não ficar dando toda hora. O nosso teatro não vive sem a Lei, mantém o teatro vivo. Mas é importante o artista colocar a alma no que faz”.

Quanto ao desempenho do cinema, o ministro, que “não entende nada do tema”, solta informações e assume postura de conselheiro: “Conversei com o pessoal da Ancine (que está sendo vasculhada em operação sigilosa pela Polícia Federal), eles estão dando uma média de R$ 4 milhões por filme e essas obras estão atingindo no máximo 18 mil, 19 mil espectadores. Temos que melhorar aí. Talvez ter um filtro maior para roteiro. Uma exigência maior para coisas que deem impacto”.

Tal como disse, o ministro desconhece o mínimo. Provavelmente nunca leu a versão original da Lei Rouanet sancionada por Collor de Mello, que vetou 12 parágrafos do projeto, justamente os que possibilitavam mamatas e o usufruto irresponsável do dinheiro público a fundo perdido. De fato, o presidente de então basicamente limitou a Lei, de forma rigorosa, a concessões prioritárias na esfera dos espaços culturais realmente públicos, tais como museus, bibliotecas, arquivos, jardins, recuperação de documentos e acervos do subestimado Patrimônio Histórico, etc.

O ministro também desconhece, ou esquece por conveniência política, que a partir do governo Itamar Franco todas as leis na área da cultura foram desvirtuadas e manobradas pelo amanho de conselhos e comissões orientadas por comunistas e “simpatizantes da causa” em conluio com a crescente burocracia estatizante. Intramuros, elas tinham (e têm) por meta criar as “condições objetivas” para – tal como ocorre agora na vigência da “guerra da cultural” em andamento – desestabilizar o “governo burguês” e estabelecer um “novo senso comum” revolucionário. Com esse propósito, aliás, foram gastos nos últimos tempos bilhões e bilhões de reais (seguramente, mais de R$ 100 bilhões – basta checar os números seriamente).

Na prática, como se trata de dinheiro “dado”, em que o fruidor não corre risco nem teme a competitividade, as prerrogativas das leis no campo cultural inflacionaram de tal modo os custos das produções que elas se tornaram inabordáveis pelas bilheterias, à margem o fato comprovado de que o público não quer vê-las.

(Mas a coisa nem sempre se passou assim. No histórico, é preciso lembrar que o cinema brasileiro, desde o final do século XIX até os anos 1970, por força da criatividade e do trabalho dos seus empresários, sem nunca contarem com as benesses do Estado, criaram uma indústria operante, construíram estúdios e laboratórios, forjaram ciclos de produção de filmes, formaram sindicatos, cadeias de exibição com mais de 4 mil salas e até conquistaram uma Palma de Ouro (Cannes) graças a um ator de chanchadas da Atlântida (Anselmo Duarte) em parceria com um ex-porteiro de cinema (Oswaldo Massaini).

Agora, noticia-se, o ministro Terra nomeou como secretário da Cultura um seu auxiliar no Ministério do Desenvolvimento Social do governo Temer, Henrique Medeiros Pires. Segundo os jornais, Pires é formado
em Ciências Sociais pela Universidade de Pelotas e diz ter sido diretor de arte da mesma instituição, participando da “criação de cursos superiores de cinema e teatro”. E dirigiu o Teatro Sete de Abril, em Pelotas.

Um produtor teatral, Eduardo Barata, presidente de APTR (Associação de Produtores de Teatro), garantiu à FSP que Pires “está costumado a transitar, lidar com muitas diferenças, não só na gestão estatal, na privada também”. E adianta: “Ele está aprofundando os conhecimentos do nosso setor, estudando a Lei Rouanet (…) Está chegando para pacificar o setor e não fará caça às bruxas”.

Outro burocrata, ex-secretário de audiovisual do Minc, Alfredo Bertini, disse à mesma FSP que “Pires é um profissional de confiança do ministro Terra. Tem trânsito político e capacidade de diálogo, sei disso porque temos muitos amigos comuns”.

O Brasil não protestou nas ruas e elegeu o presidente Jair Bolsonaro para navegar nesse tipo de acochambramento e seguir na criminosa trilha traçada por comunistas (ou “socialistas”, pouco importa) como FHC, Lula, Dilma e Temer – figuras, de resto, comprometidas até os ossos com a corrupção, a estatização galopante, o gigantismo burocrático e a leniência com corporações cujos principais objetivos culturais são subverter e mamar nas tetas do governo.

Manter tal esquema seria apunhalar pelas costas 57 milhões de eleitores que levaram-no ao poder e que acreditaram nas suas palavras de mudança na reconstrução de um País que convive com 70 mil assassinatos anuais por falta de recursos para se manter o aparelho de segurança do Estado; e com 13 milhões de desempregados e mais 42 milhões de pessoas vegetando na informalidade; em que mais de 100 mil pessoas compõem um universo de drogados, alcoólatras e miseráveis a tomar as calçadas das nossas cidades; em que milhares e milhares de homens, mulheres, crianças e idosos se deslocam de hospital em hospital sem conseguir atendimento mínimo; em que 12 milhões de adolescentes e crianças permanecem literalmente analfabetas por falta de escolas e professores; e em que 62 milhões de pessoas perderam o crédito por inadimplência.

Digo e repito com o conhecimento de quem já esteve pela frente e por trás do balcão: se o país cair de quatro diante das cavilosas pressões internas e externas dessa gente simplesmente não levanta mais.

P S – Voltarei a falar de cultura, mas antes prometo comentar as observações do distinto Júlio Maciel e esclarecer as relações entre Gramsci e o terror ambiental ignoradas pelo leitor.

Até!

(*) Ipojuca Pontes, ex-secretário nacional da Cultura, é cineasta, destacado documentarista do cinema nacional, jornalista, escritor, cronista e um dos grandes pensadores brasileiros de todos os tempos.