Concórdias e discórdias

(*) Marli Gonçalves
(21.01.2019)

Queria ser jardineira e plantar concórdias, que seria uma flor linda, viva, fértil, que eu inventaria e espalharia pelo mundo todo, começando por São Paulo, e torcendo para que as sementes fossem carregadas por todo o país. Quem a olhasse seria imediatamente acalmado e passaria a prestar mais atenção no que o outro diz. Seu aroma e colorido se embrenhariam nas casas, nos gabinetes, e todos seriam invadidos por uma sensação de mais lógica, paz e bem-estar.

Sonho meu, sonho meu, vai buscar quem mora longe, sonho meu… Ainda é permitido sonhar, não? Pois bem. Faço isso agora. Parei para pensar um pouco sobre como está difícil achar o ponto de concórdia, sobre qualquer assunto, tema. Um mínimo equilíbrio de bom senso e raciocínio. Onde foi que nos perdemos?

Não é saudosismo, ao contrário, tenho achado que estamos andando para trás, mas muito para trás, lá atrás, quase chegando em um passado que deveria estar soterrado, onde não havia comunicação entre as pessoas, apenas opressão e violência, dominação. Até por causa disso, já interrompo o ataque: não estou falando só de política, dessa gente que vem, mas que passa, muitas vezes como um vendaval que a tudo destrói, arrasta. E que seguidamente tentamos reconstruir.

Refiro-me a nós. Às conversas olho no olho, aos debates divertidos e ricos, com argumentos. Não esse clima de saloon, de bangbang que, por discordar do outro se pensa em eliminá-lo, seja com gestos, seja com palavras, ou mesmo…Um clima que se embrenhou por aqui, e parece estar colado, não passar nem com reza braba.

Qual é a vida real que estamos vivendo? Essa, das redes sociais? Curti, amei, haha, uau, triste, grrr, com as carinhas – emojis – correspondentes. Ou essa das fotos, selfies, com boquinha de pato, em invejáveis cenários paradisíacos? Não colecionamos mais figurinhas. Colecionamos pessoas, seguidores, “Ks”, amigos, inclusive muitos que nunca vimos e nunca veremos – até porque alguns nem existem mesmo, são robôs. Amigo virou palavra com outros sentidos. Podem até ser meras arrobas, atrás das quais se escondem intenções. Nossas vidas viraram livros abertos; muitos contando apenas histórias da carochinha. Estamos todos vestindo pesadas burcas, só com os olhinhos aparecendo e os dedinhos teclando, passando, repassando qualquer coisa. Assim fica fácil enganar, fazer correr e escorrer o mal.

As minhas flores concórdias teriam fortes atrativos para reunir pessoas em torno delas, todas obviamente concordando em pelo menos um ponto. A partir daí poderíamos começar de novo a discutir outros temas. Proponho que o primeiro seja liberdade, liberdade individual, cada um vive a sua, desde que não interfira na do outro. Perguntas teriam respostas. Análises, críticas e comentários seriam bem-vindos, e rebatidos numa medida educada, da argumentação sem xingação, e especialmente sem paixões políticas, essas desgraçadas formas de amor que sempre trazem desapontamentos. Sempre. É só aguardar. Por mais otimistas que sejamos.

Sempre nos orgulhamos de ser um país gentil, feliz, variado, abrigando todas as raças e credos, comunidades imigrantes de todos os países. Abertos a batalhas, sim, desde que justas e solidárias. Ultimamente estamos ao contrário.

As desavenças e discórdias não são de agora, mas nos fazem muito mal. Pensamos em nos armar, ao invés de nos amar. Em proibir, ao invés de respeitar.

Pense nas concórdias. Ajude a espalhá-las. Enquanto é tempo. Antes que as rosas das rosas, as rosas hereditárias, as rosas radioativas estúpidas e inválidas, sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada, se espalhem em nossos canteiros.

(*) Marli Gonçalves, jornalista – Nós somos o adubo da Terra. O diálogo.

São Paulo, parabéns, 465 anos!

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