Que a Vale tentaria se eximir da responsabilidade pela tragédia ocorrida em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, era esperado. A postura adotada pela empresa nesta segunda-feira (28) destoa das declarações de dirigentes da mineradora ao longo do final de semana, em especial da do presidente da companhia, Fabio Schvartsman, no cargo desde maio de 2017. Schvartsman mostrou-se consternado com o ocorrido e principalmente com a perda de dezenas de vidas, mas parece que o discurso mudou de rumo.
Se por um lado essa reviravolta é inaceitável, até porque sobressai a desumanidade, por outro é compreensível, pois o capitalismo é selvagem. Como os papéis da companhia estão em queda livre no mercado de ações, a estratégia, fria e calculista, é tentar transferir a culpa a outrem, como forma de minimizar o prejuízo.
Discursos chorosos e cálculos contábeis à parte, a Vale pode até espernear para tentar convencer a opinião pública de que não tem culpa no episódio, que na verdade era uma tragédia anunciada, mas quem conhece os bastidores do mundo da mineração no País sabe que o enredo é diferente.
Uma gravação, obtida com exclusividade pelo UCHO.INFO mostra um ex-dirigente da Vale Fertilizantes, Vicente Lobo, comemorando a indicações de membros da diretoria da Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão criado de maneira irresponsável pelo governo do então presidente Michel Temer para substituir o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que integrava o “guarda-chuva” do Ministério de Minas e Energia.
Na gravação, Vicente Lobo, que ocupou o cargo de Secretário de Geologia do Ministério de Minas e Energia até de 31 de dezembro passado, cumprimenta parceiros que trabalharam junto ao Palácio do Planalto e ao Senado para emplacar os diretores da ANM, todos ligados direta ou indiretamente com a Vale, como demonstrou o UCHO.INFO em matéria anterior.
Lobo afirma fala sobre a dificuldade para nomear os diretores da agência, mas destaca a “idoneidade” dos nomeados, mas é preciso lembrar que o diretor-geral da ANM, que ocupou cargo idêntico no DNPM, está cercado por escândalos, muitos deles abafados com a conivência espúria do Palácio do Planalto.
O ex-dirigente da Vale afirma na gravação que a empreitada só foi possível porque contou com o apoio dos ex-ministros Fernando Bezerra Coelho (Minas e Energia) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência). O que explica o desespero do governo Temer para criar a Agência Nacional de Mineração, para atender interesses nada republicanos do setor.
Esse compadrio, que existe desde os tempos do DNPM e agora reina absoluto na ANM, não foi criado por acaso. Trata-se de uma herança maldita que vem de priscas eras, pois o setor de mineração movimenta fortunas incalculáveis e os escândalos certamente superam os que chacoalharam a Petrobras.
Em qualquer país minimamente sério, com autoridades responsáveis na mesma proporção, a diretoria da ANM já estaria afastada, e assim permaneceria enquanto durassem as investigações, assim como o governo já teria decretado intervenção em todas as operações da Vale, pois não se pode aceitar esse tipo de ingerência por parte de empresas em órgãos reguladores.