Governo precisa fiscalizar barragens de Paracatu, MG, também por causa da contaminação por arsênio

No Brasil, infelizmente, coloca-se a tranca na porta após a casa ser arrombada. Não há como mudar a ordem dos fatos, pois, ao que parece, esse é o modus vivendi local. O País parou mais uma vez, agora por causa da tragédia de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Na esteira da indignação da opinião pública, a direção da Vale e autoridades prometeram tomar providências para evitar novas tragédias. Promessas idênticas foram feitas em novembro de 2015, por ocasião da tragédia de Mariana, quando o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco devastou o distrito de Bento Rodrigues e provocou sérios danos ao meio ambiente.

O governo federal prometeu fiscalizar de chofre pelo menos 3 mil barragens em todo o País (205 são da mineração), operação impensável se considerada a estrutura para levar adiante o que até então jamais foi possível realizar. Seja por incompetência do próprio Estado, seja por conta do conluio criminoso entre os fiscalizadores e os fiscalizados.

Se de fato o governo do presidente Jair Bolsonaro deseja fiscalizar as barragens que representam risco iminente, como anunciaram os generais palacianos, é prudente que essa fiscalização comece pela barragem de Paracatu, cidade localizada no Noroeste mineiro (a 230 km de Brasília), onde a empresa canadense Kinross Gold Corporation explora a maior mina de ouro a céu aberto do País.

A situação das barragens de Paracatu é preocupante e assusta cada vez mais a população da cidade mineira, não apenas pela enorme quantidade de rejeitos, mas pela contaminação da água, do solo e do lençol freático por arsênio, metal pesado que desprende das rochas da lavra no momento da explosão com dinamite para extração do ouro.

O município possui duas grandes barragens de rejeitos: Santo Antônio, construída em 1987, com capacidade máxima de 483 milhões de metros cúbicos e acumula 399 milhões de metros cúbicos e não recebe mais material; e Eustáquio, em funcionamento e com capacidade para 750 milhões de metros cúbicos de rejeitos, com acumulado de 148 milhões metros cúbicos.

Contaminação por arsênio

De acordo com o geólogo Márcio José dos Santos, mestre em Planejamento e Gestão Ambiental pela Universidade Católica de Brasília, “o arsênio, que antes estava preso na rocha e não oferecia risco para a saúde, é liberado no ar e reage com a água e outras substâncias do ar, tornando-se ativo e perigoso”.

Segundo o especialista, na cidade os ventos sopram do sentido nordeste para o sudeste, o que contribui para que a poeira venenosa vá da mina para a cidade. Em outra etapa da mineração, os fragmentos de rocha são tratados com produtos químicos, o que libera mais quantidade de arsênio. “Estes produtos são jogados na barragem de rejeitos, que é uma grande represa altamente tóxica onde todas as ‘sobras’ do processo são armazenadas”.


O geólogo coletou, em 2015, amostras de água subterrânea e superficial do Ribeirão Santa Rita, próximo às barragens de rejeito da multinacional canadense Kinross Gold, para onde são encaminhados materiais líquidos e sólidos decorrentes do processo de extração do ouro.

A coleta foi feita entre abril e julho de 2015, a pedido de produtores rurais da área, e enviado para análise em Uberlândia (MG). Na conclusão do estudo, Márcio José dos Santos constatou, além da contaminação da água, altos níveis de arsênio em resultados de exames de urina da população ribeirinha.

Segundo o relatório, foram analisadas amostras de 37 pessoas de um total de 112 residentes da Bacia do Santa Rita. Nenhum dos indivíduos teria trabalhado na mina Morro do Ouro em condições de risco ocupacional.

O geólogo revelou, em entrevista, que o mais impressionante ao longo do estudo foram os resultados dos exames realizados em crianças, cujos índices de contaminação por arsênio foram superiores aos dos adultos. Um dos trechos do documento destaca média de 18 microgramas de arsênio por grama de creatinina na população infanto-juvenil, quando os valores de referência são de 10 microgramas. Esse parâmetro está estabelecido na Portaria nº 2.914/2011, do Ministério da Saúde, que segue o padrão da Organização Mundial da Saúde (OMS), vigente desde 2001.

Efeitos do arsênio

Um dos principais estudiosos do caso envolvendo a mina de ouro de Paracatu é o médico Sérgio Ulhoa Dani, do Departamento de Oncologia Médica do Hospital da Universidade de Berna, na Suíça. Em entrevista concedida à TV Integração, Ulhoa Dani disse que a população de Paracatu está exposta 24 horas por dia, 365 dias por ano, tempo mais que suficiente para causar intoxicação crônica.

“Tem pessoas que vivem a vida inteira em Paracatu, e desde 1987, quando começou a mineração, estão expostas a poeira da mineração. Então é uma exposição crônica ao longo de décadas e isso é muito grave”, afirmou o estudioso.

Ainda de acordo com o médico, todo cidadão da cidade tem direito a ser examinado. “Eles não são culpados de serem intoxicados e mortos cronicamente. Eles têm o direito de serem examinados e o diagnóstico é um diagnóstico feito por médicos, não por biólogos. Todos aqueles indivíduos que tiverem sinais de intoxicação crônica por arsênio, ou seja, arsenicose devem ser tratados e devem ser monitorados através de exames clínicos laboratoriais pelo resto da vida, porque o arsênio não sai do corpo”, relatou.

Sérgio Ulhoa Dani acrescentou que os moradores de Paracatu que são submetidos à intoxicação por arsênio têm direito à indenização. “O que a mineradora gera de dinheiro para a cidade representa, talvez, nem um centésimo do prejuízo que ela está causando”, declarou.