Implacável como juiz, o agora irreconhecível Moro defende a tese de que caixa 2 não é corrupção

Quando o então presidente eleito Jair Bolsonaro convidou Sérgio Moro para assumir o Ministério da Justiça, os bolsonaristas entraram em êxtase. E não demoraram para destilar nas redes sociais teorias absurdas, como, por exemplo, que a partir de 1º de janeiro qualquer político pensaria duas vezes antes de se envolver em escândalos de corrupção. Como se Moro, enquanto ministro da Justiça, pudesse envergar a toga e empunhar a caneta de juiz da Operação Lava-Jato.

Entre o discurso moralista do outrora juiz e o silêncio conivente do atual ministro há uma diferença enorme e preocupante, mas que não incomoda os apoiadores do presidente da República e muito menos os adoradores do titular da Justiça.

Como disse Carlos Lacerda em seu último depoimento a um grupo de jornalistas, “o poder embriaga como o vinho”. Se o ministro Sérgio Moro é um apreciador de vinhos não se sabe, mas é certo que o poder já produz efeitos colaterais no comportamento daquele que foi guindado pela opinião pública ao panteão dos heróis nacionais.

Moro chegou à Esplanada dos Ministérios com a missão de ser um espadachim contra a corrupção, mas em poucos dias viu seu discurso desmoronar a reboque de escândalos que começaram a brotar dos currículos de colegas de ministério. O caso mais constrangedor foi o de Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil e réu confesso em caso de caixa 2.

O ex-juiz da Lava-Jato, em abril de 2017, durante palestra na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, não economizou o vocabulário para dizer o que pensava sobre caixa 2. “Temos que falar a verdade, o caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral. Para mim a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível. Eu não estou me referindo a nenhuma campanha eleitoral específica, estou falando em geral”, disse o indignado Moro.


Nesta terça-feira (19), ao apresentar ao Congresso o fatiado projeto anticrime, o ministro da Justiça e Segurança Pública tentou justificar a decisão de deixar à parte a proposta de criminalização do caixa 2, como se a capacidade de percepção da sociedade fosse nula. “Caixa 2 não é corrupção. Existe o crime de corrupção e o crime de caixa 2. Os dois crimes são graves”, disse Moro em entrevista coletiva, ao lado de Lorenzoni.

“Houve reclamações por parte de agentes políticos de que o caixa 2 é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade corrupção, que crime organizado e crimes violentos. Então, acabamos optando por colocar a criminalização num projeto à parte que está sendo encaminhado neste momento. Foi o governo ouvindo as reclamações razoáveis dos parlamentares quanto a esse ponto e simplesmente adotando uma estratégia diferente. Mas os projetos serão apresentados ao mesmo tempo”, comentou o ministro.

Em outras palavras, Sérgio Moro impôs condições para aceitar o convite feito por Bolsonaro, entre elas a não interferência do Palácio do Planalto em seu trabalho contra a corrupção. Apesar disso, o ministro parece ter cedido às pressões, pois em jogo está uma indicação para o Supremo Tribunal Federal, caso não seja demitido por algum corrupto que, contrariando todas as expectativas, ganhou o status de ministro de Estado no atual governo.

Há quem diga que o recuo de Moro se deu por causa do envolvimento de Onyx Lorenzoni com caixa 2, mas sustentar essa tese é dar ao chefe da Casa Civil importância política que ele jamais fez jus. Ou seja, nesse cenário Lorenzoni é tão ou mais descartável que Gustavo Bebianno.

Mas por qual razão Sérgio Moro recuou em seu projeto de criminalização do caixa 2? A resposta é simples: o laranjal político-eleitoral que se formou no entorno do PSL, partido do presidente da República. Para quem não é do ramo, as candidaturas “laranjas” serviram para dar ares de legalidade ao caixa 2. E Bolsonaro, Bebianno e Luciano Bivar, presidente nacional do PSL, sabem disso. Apenas o ministro da Justiça foi avisado em cima da hora.