Aliado do governo, presidente do Senado oculta imóveis da Justiça Eleitoral desde a década de 90

Quando Jair Bolsonaro, agora presidente da República, teve sua eleição confirmada nas urnas do segundo turno da corrida presidencial de 2018, seus eleitores e adoradores passaram a afirmar que a partir de 1º de janeiro passado tudo seria diferente no Brasil, como se a realidade nacional pudesse mudar apenas e tão somente com o acionar de um botão.

O discurso mambembe dos eleitores de Bolsonaro, assim como do próprio presidente, começa a derreter na esteira de uma sequência de episódios marcados pelo status quo da política verde-loura, sempre embalada por escândalos dos mais variados. Ou seja, a mudança prometida por Jair Bolsonaro e seus sequazes – garantida pela seita por ele liderada – não passa de uma repetição do que o País viveu nos últimos anos.

No começo de fevereiro, quando o Congresso Nacional elegeu os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, jornalistas alinhados à direita ousaram afirmar que naquele momento nascia um novo Brasil, apenas porque o senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi derrotado em sua tentativa de mais uma vez comandar o Legislativo.

Renan está longe de ser um querubim do agreste, assim como não é um político digno de elogios, até porque seu conturbado currículo fala por si só, mas atuação do Palácio do Planalto nos bastidores para garantir a eleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP) para a presidência do Senado poderá render ao governo mais problemas.

Alcolumbre ocultou da Justiça Eleitoral a posse de imóveis durante quase toda a sua carreira política, iniciada no final dos anos 1990, em Macapá. De acordo com levantamento de escrituras e registros no único cartório de imóveis e nos três cartórios de notas da capital do Amapá, um cenário bem diferente coloca o presidente do Senado em situação de dificuldade.

O artigo 350 do Código Eleitoral define como crime “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”. A pena é de até cinco anos de prisão e multa.

Davi Alcolumbre, que disputou sete eleições antes de tornar-se senador em 2015, é de família com patrimônio considerado elevado no Amapá, mas desde 2002 informa aos eleitores ter poucos bens ou quase nenhum.

Em 2002, 2010 e 2012, por exemplo, declarou não ter patrimônio algum. Em 2018, quando foi derrotado na disputa pelo governo do Amapá, informou à Justiça Eleitoral ter R$ 770 mil – uma casa de R$ 585 mil, além de depósitos e aplicações bancárias.


Nos cartórios de Macapá, registros mostram aquisições imobiliárias feitas pelo senador, desde o final dos anos 90 até pelo menos 2016, no centro e em condomínios residenciais da cidade.

O ano de 2012 é um dos mais representativos: Davi informou à Justiça não ter patrimônio. À época, o agora senador era deputado federal de terceiro mandato, com salário de R$ 26,7 mil, além de outros benefícios.

Em 2012, os registros nos cartórios de Macapá mostram que Davi era proprietário de três lotes em um condomínio residencial da cidade, tendo informado no início daquele ano a construção de uma casa de 179 metros quadrados.

Além disso, ele adquiriu em fevereiro do mesmo ano outra casa no bairro Trem, um dos mais tradicionais da cidade. O parlamentar pagou pelo imóvel R$ 585 mil, um mês após a assinatura do contrato de compromisso de compra e venda, de acordo com a escritura pública.

No ato da lavratura da escritura do imóvel, em 2016, Alcolumbre declarou, em cartório, que os R$ 585 mil não representavam nem um terço do patrimônio dele e de sua mulher (no nome de quem não há imóveis, isoladamente, registrados nos cartórios locais). Ou seja, segundo essa declaração, que impede a penhora por dívidas, o casal teria na ocasião um patrimônio de pelo menos R$ 1,7 milhão. Dois anos depois, Davi afirmou à Justiça que reunia R$ 770 mil em bens.

“Atribuem à presente instituição, para efeitos fiscais, o valor de R$ 585.000,00 e declara que esse valor é inferior a um terço do patrimônio líquido do casal”, diz a escritura pública de compra e venda e de instituição do imóvel como “bem de família”, datado de 23 de maio de 2016.

De acordo com o Código Civil, o “bem de família” não pode sofrer execução por dívidas posteriores à sua instituição e não pode representar mais de um terço do patrimônio dos cônjuges.

Jair Bolsonaro, durante a campanha, prometeu acabar com a “velha política”, mas ao que parece não tem o menor interesse em liquidar algo que é crucial para levar seu governo adiante. Além disso, o presidente da República é representante desse status quo que vem devorando o País há décadas.