Após recuperação judicial e dívida reestruturada, Oi passa a flertar com métodos pouco recomendáveis

    Pouco mais de dois anos e meio após protocolar na Justiça o maior pedido de recuperação judicial do País (R$ 64 bilhões, com deságio de R$ 25,5 bilhões), a operadora de telefonia Oi conseguiu, entre muitos tropeços e uma avalanche de desconfianças, retomar o interesse dos analistas do mercado financeiro especializados no setor de telecomunicações. Isso aponta, em tese, para um horizonte menos carrancudo do que a empresa vislumbrava em passado não tão longínquo.

    Corretoras de porte, como Itaú BBA, Bradesco BBI e BTG Pactual têm recomendado aos seus clientes as ações da Oi, principalmente depois do processo de aumento de capital da empresa, um dos derradeiros capítulos da hercúlea reestruturação da dívida.

    Uma epopeia digna de fênix, pássaro da mitologia grega que ao morrer entrava em processo de autocombustão e, passado algum tempo, ressurgia das próprias cinzas. Assim passou a ser vista a Oi, a fênix da telecomunicação brasileira. Porém, como diz a sabedoria popular, “nem tudo que reluz é ouro”. E se ouro for é preciso conhecer o seu grau de pureza, pois “em terra de cego que tem um olho é rei”.

    O esforço da empresa de telecomunicações – que envolveu cifras bilionárias, interesses dos mais variados (e de um sem fim de pessoas) e articulações com poderosos – pode ir pelos ares por questões administrativas que, frente aos números financeiros, não mereceram a devida atenção, mas podem causar um estrago espinhoso. Talvez porque em camadas distantes dos olhos dos caciques da Oi a cartilha da companhia não seja rezada da maneira mais adequada ou, então, pessoas estão a seguir regras não tão ortodoxas.

    Se no passado a Oi acostumou-se ao convívio com o Poder, o que facilitava a abertura de caminhos considerados difíceis e sinuosos, nos dias atuais a gestão está sob lupa e exige o máximo de transparência. E honrar a palavra dada é condição primeira para uma companhia que pretende fazer da sua reentrada no mercado um “case’ de sucesso. Se a palavra dada é compromisso assumido – por essa baliza se pautam os probos homens de negócios –, quando há documentos assinados qualquer discussão ou omissão é perda de tempo ou sinal de insensatez empresarial, talvez pequenez de caráter de alguns.

    Nem Oi, muito menos tchau

    Em 2018, portanto na reta final do processo de recuperação da companhia, a Oi intermediou e endossou a venda de uma franquia da marca em São Paulo para um empresário de Brasília que já representava a empresa de telefonia na capital dos brasileiros. Qualquer companhia de porte que atua em um país com dimensões continentais, como o Brasil, depende dos franqueados para manter o próprio negócio em funcionamento. Do contrário, é remar contra a maré em dia de tempestade.

    Acompanhado de forma minuciosa por vários executivos da Oi, o negócio foi merecedor de troca de e-mails entre todos os envolvidos e, inclusive, de ata de reunião realizada no escritório da empresa na cidade de São Paulo, no bairro do Morumbi, na Zona Sul da capital paulista, com direito a aposição de assinaturas dos participantes no documento.

    O conteúdo dos e-mails trocados entre o vendedor, o comprador e os executivos da Oi não deixa dúvidas a respeito da licitude do negócio e da sua conclusão, assim como do credenciamento da franquia sob nova direção. Juntamente com a denúncia, o UCHO.INFO recebeu vários documentos, inclusive arquivos de áudio, que comprovam a transação e o credenciamento da franquia junto à Oi.

    Sob nova direção, a mencionada franquia passou a receber da Oi relatórios periódicos de vendas, o que pressupõe que a empresa de telecomunicações não apenas intermediou e endossou a transação comercial, como passou a contabilizar os negócios realizados pelo franqueado.

    Para honrar os compromissos assumidos perante a Oi no momento em que adquiriu a franquia no Estado de São Paulo, com a anuência da companhia de telecomunicações, o empresário de Brasília contratou aproximadamente 200 funcionários, como forma de cumprir planejamento de vendas e fazer seu novo negócio minimamente rentável no médio prazo. Não obstante, o franqueado abriu nova empresa em São Paulo, com CNPJ distinto, para atender às demandas da Oi.

    A operação comercial do franqueado avançava dentro do planejado, com investimentos e prospecções, até o momento em que, sem qualquer justificativa ou comunicação prévia, um diretor da Oi em São Paulo (atualmente na filial do Rio de Janeiro), Kleber Laurindo, incumbiu uma funcionária da empresa, Erika de Faria (Gerente de Vendas), para que informasse ao novo proprietário da franquia que o processo de credenciamento seria suspenso.


    Drible milionário

    Causa espécie a decisão extemporânea e descabida do diretor Kleber Laurindo, pois não se pode descredenciar uma empresa que, com o status de franquia credenciada e legalizada, realizava vendas em nome da Oi e com a devida autorização e, ato contínuo, recebia relatórios comerciais para análise e acompanhamento. Não se pode interromper um processo de credenciamento que tem-se por concluso na esteira dos procedimentos comerciais de praxe da franqueadora, como mencionado acima.

    Como se nada representasse a arbitrariedade de descredenciar uma empresa que credenciada estava, o dirigente da Oi não apenas ordenou a interrupção da parceria comercial com a franqueada, que há meses vinha funcionando normalmente e dentro da legalidade e das normas da franqueadora, mas destinou os pagamentos (próximo de R$ 1 milhão) inerentes às vendas por ela realizadas a terceiro desconhecido.

    De tal modo, ao proprietário da franqueada coube tão somente o ônus da operação (leia-se 200 funcionários e todas as despesas decorrentes do negócio), sendo que na ocasião do fechamento da parceria o mote das reuniões era bônus para ambos os lados. Em suma, o que deveria ser pautado pelo bom senso ganha contornos de caso de polícia por causa da conduta dúbia de uma das partes.

    Para uma empresa que emerge de uma recuperação judicial complexa, com valor original que superou a casa dos R$ 60 bilhões, esse comportamento comercial pouco ortodoxo não é recomendável, mas, sim, condenável. Por suposto, o que a Oi prometeu perante a Justiça tenha sido algo diferente e muito distante daquilo que a empresa costuma adotar como prática em sua relação com parceiros comerciais, quiçá também, porque não, com os clientes finais.

    Há nesse episódio nada convencional em termos de negócio um evidente e inexplicável viés autoritário, talvez para camuflar situação que não pudesse ser revelada por ocasião dos fatos e assim permaneça até os dias atuais. No momento em que o Brasil, combalido por conta de longo período de desmandos e escândalos, clama por profunda assepsia nos setores público e privado, procedimentos que fogem ao padrão ético e moral ou atropelam o bom senso jurídico inevitavelmente despertam suspeitas.

    Do Direito Adquirido

    Manda a letra fria da lei que contra o Direito Adquirido não se tergiversa, muito menos se atenta contra a legislação vigente. A Constituição de Federal de 1988 é clara ao tratar do assunto em seu artigo 5, inciso XXXVI: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

    Na dissertação “O Instituto do Direito Adquirido e seus impasses teóricos e sociais”, apresentada, em 2006, à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) para a obtenção do título de “Mestre em Filosofia do Direito”, o advogado Luís Antônio Rossi foi cirurgicamente preciso ao afirmar no início de seu brilhante trabalho acadêmico:

    “Adquirir um Direito significa tornar-se o seu titular. Para isso é preciso que se obedeçam às normas de conduta, a partir do que a situação jurídica resulta configurada. Diz-se assim, configurada a irretroatividade da eficácia da lei nova, a qual somente conhece exceções ao que se refere ao Direito Penal e ao Direito Tributário, institutos onde se permite a retroação da lei para o benefício do réu ou do contribuinte”.

    Mestre e Doutor em Direito, Luís Antônio Rossi vai além em sua dissertação ao destacar: “Numa perspectiva dogmática, autores como Sidou (José Maria Othon Sidou, grifo nosso) (201, p. 278) abordam o Direito Adquirido como aquele que é produzido por um fato idôneo, decorrente de uma lei existente ao tempo em que se produziu, e que pode ser exercido, integrando o patrimônio de quem o adquiriu, sendo, desse modo, imodificável por lei posterior”…

    Conclusão

    É de conhecimento dos brasileiros que as operadoras de telefonia sempre estão a disputar as primeiras posições nos rankings de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor, mas causa estranheza e preocupação o fato de esse cenário de descontentamento começar a migrar para a seara dos próprios parceiros das empresas.

    É voz corrente, não é de hoje, que a união faz a força, mas quando a força do maior começa a provocar a desunião, dando início ao esfarelamento do todo, é preciso que as autoridades redobrem a atenção, pois algo grave pode estar acontecendo onde não deveria haver ruídos estranhos nem interferências canhestras. E nesse processo com características de efeito dominó, a conta acabará no bolso do mais fraco. O que não é novidade no Brasil.

    Como bem destacou o Mestre e Doutor Luís Antônio Rossi em seu trabalho acadêmico, citando José Maria Othon Sidou, “Direito Adquirido é aquele produzido por um fato idôneo”. E no escandaloso caso objeto desta matéria, o fato que gerou o Direito Adquirido é coberto de idoneidade, reconhecida de chofre pela própria Oi, que por sua vez deu seguimento à relação comercial com o franqueado dentro das rígidas regras da empresa.

    Outrossim, ignorar o Direito Adquirido do franqueado, sem ao menos informá-lo das razões da abrupta interrupção da relação comercial (franqueador-franqueado) é, agindo de má-fé, ressuscitar o ranço de tempos não tão distantes, quando a rampa do Palácio do Planalto era o caminho mais curto para solucionar problemas aparentemente sem solução.

    Ademais, esquivar-se das responsabilidades pertinentes e inerentes, como ora faz a Oi, dando a entender que o Brasil é órfão de leis e permanece na condição de “paraíso do faz de conta”, é não apenas ignorar o Direito Adquirido do franqueado, mas principalmente induzir a erro os que apostaram na recuperação financeira da companhia e agora passam a investir nos seus papeis à sombra da expectativa de lucro.

    Mas é preciso lembrar que lucro não se constrói apenas na esteira do vil metal, mas também a reboque da conduta e da reputação. Disse o filósofo grego Sócrates: “A maneira de se conseguir boa reputação reside no esforço em se ser aquilo que se deseja parecer”. Talvez fosse o caso de a Oi abrir uma franquia na Grécia Antiga e ofertar um smartphone a Sócrates. Quem sabe!