Nesta quinta-feira (1), durante o julgamento sobre a demarcação de terras indígenas no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Celso de Mello não poupou o governo de Jair Bolsonaro de duras e contundentes críticas, as quais focaram a ousadia do chefe do Executivo ao atropelar a legislação vigente para fazer suas vontades, comportamento típico de governantes adeptos do totalitarismo.
O decano da Corte, que proferiu o mais longo voto do julgamento que marcou a retomada dos trabalhos do Judiciário, afirmou que comportamentos ofensivos ao princípio da divisão de poderes “acabam por gerar no âmbito da comunidade estatal situações instauradoras de desrespeito concreto ao sistema de poderes limitados”.
“O regime de governo e as liberdades da sociedade civil muitas vezes expõem-se a um processo de quase imperceptível erosão, destruindo-se lentamente e progressivamente pela ação ousada e atrevida quando não usurpadora dos poderes estatais, impulsionados muitas vezes pela busca autoritária de maior domínio e controle hegemônico sobre o aparelho de Estado e direitos e garantias básicas do cidadão”, afirmou Celso de Mello.
“Parece ainda haver na intimidade do poder um resíduo de indisfarçável de autoritarismo, despojado sob tal aspecto quando transgride a autoridade da Constituição. É preciso repelir qualquer ensaio de controle hegemônico do aparelho de Estado por um dos poderes da República”, completou o ministro.
Na opinião da ministra Cármen Lúcia, que também participou do julgamento que impôs nova derrota ao Planalto, o governo Bolsonaro fez uma “agressiva confrontação” com o texto da Constituição ao reeditar uma medida provisória rejeitada pelo Congresso Nacional. Antes mesmo da sessão, integrantes do governo já davam como certa a derrota no STF.
A questão da demarcação das terras indígenas foi um dos primeiros sinais do despotismo cultuado por Bolsonaro, que ao tomar posse como presidente desafiou o Judiciário e o Legislativo com a edição de medida provisória que reestruturava o governo. Na MP, o presidente transferiu a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. O texto foi aprovado pelo Congresso Nacional com alterações, sendo uma delas a de manter a demarcação com a Funai.
Ignorando escandalosamente o que determina a lei no tocante à edição de Medidas Provisórias, após ser derrotado no Congresso, Bolsonaro editou nova MP para deixar a demarcação de terras indígenas sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura, manobra suspensa em caráter liminar pelo ministro Barroso. A insistência do governo em deixar a demarcação com a pasta da Agricultura decorre de imposição da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), uma das maiores bancadas do Parlamento e da qual o presidente da República é refém.