Para continuar presidente, Bolsonaro deve abandonar os devaneios ideológicos e encabrestar os filhos

A polêmica envolvendo a declaração de Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, sobre avanços do País fora das regras democráticas continua rendendo dividendos negativos ao governo, que cada vez mais precisa de estabilidade política para aprovar matérias no Congresso Nacional e reconquistar a confiança dos investidores (nacionais e estrangeiros).

Enquanto Jair Bolsonaro permanece em silêncio no hospital, onde se recupera de cirurgia no abdômen, os filhos agem como “longa manus” do presidente, como se o governo não tivesse integrantes à altura e se a democracia pudesse ser afrontada diuturnamente por um grupelho de apaixonados pelo totalitarismo.

É impossível ignorar esse movimento quase silencioso e contínuo em direção ao retrocesso, pois Bolsonaro vem tentando, desde que chegou ao Palácio do Planalto, impor suas vontades por meio de decisões que contrariam a legislação vigente, como aconteceu com descontrolada a edição de Medidas Provisórias, investida que atropelou o Poder Legislativo.

Diante da repercussão negativa da declaração do “02”, que tentou amenizar o estrago com explicação nada convincente, o governo abre uma nova frente de problemas, desta vez com o Supremo Tribunal Federal (STF), onde os magistrados reagiram com indignação ao açoite à democracia perpetrado pelo filho de Bolsonaro.

Em vez de tentar, por meio de silêncio obsequioso, se eximir da responsabilidade pelas declarações estapafúrdias do filho, a quem endossa de forma incondicional, Jair Bolsonaro deveria despertar para a realidade e começar a governar para todos os brasileiros, não apenas para uma parcela da sociedade que apoia seus devaneios e arroubos autoritários.


De nada adiantará o esforço do Congresso na aprovação de matérias importantes e o empenho da equipe econômica na busca de soluções para uma crise que se arrasta, se Bolsonaro não abrir caminho para a estabilidade político-institucional. Que ninguém venha com o discurso que o presidente respeita a democracia e as instituições, pois seu comportamento é típico de candidato a tiranete.

Por enquanto, o ambiente político não é favorável a um pedido de impeachment de Jair Bolsonaro, que em inúmeras ocasiões incorreu em crime de responsabilidade (Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950), pois essa mudança de quadro não exige muito esforço. É importante lembrar que o calvário do então presidente Fernando Collor começou exatamente no momento em que o Legislativo passou a ser desrespeitado e a democracia ameaçada.

Há na horda de apoiadores de Bolsonaro um contingente de estultos que aplaudem o radicalismo e a delinquência intelectual do presidente, mas é necessário abrir os olhos para o perigo que representa essa caminhada rumo ao obscurantismo.

Jovem, porém sólida, apesar das muitas correções de rota que surgirão à frente, a democracia brasileira não pode ficar à mercê dos despautérios do clã Bolsonaro, que à sombra de balões de ensaio tenta encontrar pontos de vulnerabilidade no Estado Democrático de Direito.

O País não deveria ser palco de novo processo de impeachment do chefe do Executivo, mas em nome da democracia todo sacrifício é necessário e válido. Em outras palavras, que Bolsonaro assuma o seu papel, sem direito a devaneios ideológicos, e coloque, o quanto antes, um cabresto nos filhos. Ainda é tempo!